segunda-feira, 28 de agosto de 2017

2. Introdução à genética

GENES: A essência do que somos e de quem somos.


Figura 1. Cromossomo 22 humano em sua conformação mitótica. Fonte: Adaptado de Alberts et al. (2010).


Todos nós possuímos genes que influenciam nas nossas vidas de modo significativo. Os genes são responsáveis por nossas características físicas, como altura, peso, cor dos cabelos e olhos, e pigmentação da pele; e influenciam em nosso metabolismo, nos sistemas de nosso corpo, definindo nossa suscetibilidade a muitas doenças e distúrbios, e contribuem para nossa inteligência e personalidade (Pierce, 2011).

Genética (do grego genno, fazer nascer) é o nome dado ao estudo dos genes, os quais controlam a hereditariedade, processo pelo qual as características são transmitidas dos genitores para a prole (de pais para filhos), deste modo, todos os organismos, inclusive os seres humanos, se assemelham aos seus ancestrais. Em contrapartida, existe a variabilidade, que se refereas diferenças ambientais e/ou genéticas entre os organismos relacionados pela descendência. Ou seja, essas variações podem ser causadas tanto pelo meio ambiente (não hereditárias), quanto por alterações na composição genética (hereditárias).
A hereditariedade e a variabilidade constituem aspectos antagônicos, porém complementares, pois, se por um lado a variabilidade resulta nas diferenças sobre as quais atua a seleção, onde ocorre o melhoramento e a evolução; por outro lado o resultado dessa seleção só será mantido se essa característica for herdável, ou seja, se for transmissível aos descendentes.
A Genética está presente na humanidade desde muito tempo. Existem evidências de que há cerca de 10 mil anos atrás, o ser humano, por meio de cruzamentos artificiais, praticava a seleção de plantas e animais, melhorando-os de acordo com suas necessidades, como por exemplo plantas com mais nutrientes e animais com maior quantidade de carne ou músculos. Logicamente, esse tipo de seleção era bastante rudimentar, sendo um processo lento e trabalhoso, no qual os resultados nem sempre eram os desejáveis e os parâmetros analisados seguiam padrões de acordo com as características morfológicas(fenótipo).
No entanto, a genética como ciência resultou de anos de pesquisa do monge austríaco JohannesGregor Mendel com ervilhas (Pisum sativum) publicado em 1865. Filho de agricultores, nasceu na cidade de Brno, em 22 de julho de 1822.Aos 25 anos entrou para um mosteiro, onde pode continuar seus estudos em Zoologia, Botânica,Física e Matemática. Em1857, com cerca de 35 anos,iniciou em uma pequena área do convento os seus trabalhos de hibridação com ervilha, que duraram cerca de seis anos econtribuíramdecisivamenteparaelucidarosprincípiosda transmissãodasinformações hereditárias. Infelizmente, seu trabalho foi reconhecido apenas em 1900, dezesseis anos após sua morte (1884), quando três pesquisadores, De Vries, Corens e Tschermask, por meio de experimentos independentes, demonstraram que a teoria de Mendel estava correta.Deste modo, 1900 foi considerado o ano do nascimento da genética e, por isso, ela foi conhecida como uma ciência do século XX.
Atualmente, a genética é determinante para melhor compreensão da ciência moderna. Ela possibilitou a descoberta de genes oncogênicos associados ao uso de terapia gênica paratratamento de doenças e possíveis influências hereditárias na personalidade, inteligência e orientação sexual dos indivíduos relacionados à herança multifatorial. Dessa forma, esses fatores apresentam significativas implicações econômicas e éticas, tornando estudos relacionados a genética relevantes.

HISTÓRICO DA GENÉTICA


1676
– NehemiahGrew (1641-1712) relatou que plantas reproduziam-se sexualmente usando pólen das células sexuais masculinas. Com essa informação, vários botânicos começaram a realizar cruzamentos entre plantas e criar híbridos.
1833 – Robert Brown (1773-1858) descreveu o núcleo da célula eucariota.
1839 – O conceito da teoria celular foi proposto por Mathias Jakob Schleiden (1804-1881) e Theodor Schwann (1810-1882). De acordo com essa teoria, todo o ser vivo é composto de células e estas apenas surgem de células preexistentes. A célula é a unidade fundamental de estrutura e função em organismos vivos.
1859 – Charles Darwin (1809-1882) criou a teoria da evolução pela seleção natural e publicou suas ideias no “On the Origin of Species”. Darwin reconheceu que a hereditariedade era fundamental para a evolução e fez vários cruzamentos genéticos com pombos e outros organismos. Porém ele nunca compreendeu a natureza da herança.
1866 – Gregor Mendel(1822-1884) em seu trabalho com plantas de ervilha, descobriu as leis fundamentais da herança. Ele deduziu que os genes vêm em pares e são herdados como unidades distintas, uma de cada parental. Mendel acompanhou a segregação dos genes parentais e sua aparência na descendência como traços dominantes ou recessivos. Ele reconheceu os padrões matemáticos de herança de uma geração para outra.
1869 –Friedrich Miescher (1844-1895) interessado na química das células e trabalhando com glóbulos brancos. Coletou pus de bandagens no hospital local e o lavou fora das bandagens com uma solução de sal, lisando as células, o que fez com que os núcleos precipitassem na solução. A partir dos núcleos das células, isolou uma substância química única, que chamou de nucleína.
1879 – Walther Flemming (1843-1905) observou a divisão dos cromossomos e publicou a descrição da mitose.
1985 – Alec Jeffreys (1950-) publicou artigo descrevendo a técnica de identificação que ficou conhecida como “impressão digital” por DNA (“DNA fingerprint”), que permitiu a elucidação mais precisa de vários crimes. August Weismann (1834-1914) derrubou a teoria da herança de características adquiridas, no final do século XIX, através de um estudo onde cortou-se as caudas de camundongos por 22 gerações seguidas e mostrou-se que a cauda dos descendentes continuava longa. Weismann propôs a teoria do germoplasma a qual dizia que as células nos órgãos reprodutivos continham um conjunto de informações que são passadas ao ovócito e ao espermatozoide.
1900 – O século XX foi revolucionário para a Genética. A publicação fundamental de Gregor Mendel de 1866 com experimentos sobre ervilhas revelam os princípios da hereditariedade, foram então redescobertos e outros biólogos começaram a fazer estudos genéticos similares em camundongos, galinhas e outros organismos. Os resultados dessas investigações mostraram que muitas características seguiam as regras de Mendel. É considerado o ponto zero da Genética como uma ciência.
1902 – Walter Sutton (1877-1916) propôs que os genes estão situados nos cromossomos.
1910 – Thomas Hunt Morgan (1866-1945) descobriu o primeiro mutante genético das moscas-das-frutas e usou estas para revelar muitos detalhes da genética da transmissão.
1920 – Hermann Muller(1890-1967)criou uma experiência para procurar mutações letais induzidas por raios-X, usando uma estirpe especial de moscas fêmeas. Provou então, que raios-X causavam mutações, mesmo sem saber muito bem o que era de fato uma mutação.
1930 – John B. S. Haldane (1892-1954) e Sewall Wright (1889-1988) fundaram a Genética de Populações, fazendo a síntese da genética mendeliana com a teoria evolutiva.
1931 – Barbara McClintock (1902-1992) determinou o mecanismo de transposição no milho. Usando freqüências cruzadas, descobriu os genes no cromossomo e a distância relativa entre os genes. Enfatizou que a transposição pode fornecer um meio para reorganizar rapidamente o genoma em resposta ao estresse ambiental. Nesse sentido, a mutação produzida pela transposição é uma fonte de variação para impulsionar o processo de evolução.
1941 – George Beadle (1903-1989) e Edward Tatum (1909-1975)fizeram experimentos usando o molde de pão Neurospora crassa e provaram a teoria de Archibald Garrod de 1902 de que as doenças hereditárias são "erros inatos do metabolismo".
1944 – Oswald Avery(1877-1955)mostrou que o "princípio transformador" era o DNA.
1944 – Evelyn Witkin (1921-)focalizou em como as bactérias poderiam reparar os danos do DNA causados pela radiação ultravioleta (UV).Seu trabalho foi sobre a resposta do DNA à radiação UV, lançando as bases para a elucidação dos mecanismos moleculares pelos quais a mutagênese induzida por UV pode ser reparada.
1950 – Erwin Chargaff (1905-2002) descobriu que a quantidade de A, T, G e C não são as mesmas no DNA de todos os organismos.
1952 – Rosalind Franklin(1920-1958)foi capaz de calcular as dimensões básicas da molécula de DNA, através das informações que os padrões de difração de raios X podem fornecer sobre a forma e estrutura de uma molécula. A informação foi usada para eventualmente resolver a estrutura tridimensional do DNA.
1952 – Alfred Hershey (1908-1997) e Martha Chase (1927-2003) provaram que o DNA do bacteriófago, e não a proteína, era o material genético.
1953 – Linus Pauling(1901-1994)propôs uma estrutura helicoidal de cadeia tripla para o DNA.
1953 – James Watson (n.1928) e Francis Crick (1916-2004), juntamente com Maurice Wilkins (1916-2004) e Rosalind Franklin (1920-1958), descreveram a estrutura tridimensional do DNA, lançando a era da Genética Molecular.
1954 – Seymour Benzer (1921-2007) lançou seu plano para entrar no gene usando bacteriófagos com genes rII mutantes.
1955 – Francis Crick (1916-2004) concluiu que a seqüência dos nucleotideos na molécula deve funcionar como um código, capaz de dirigir a síntese das proteínas, assim propondo o Dogma Central e a Hipótese de Adaptador.
1956 – Paul Zamecnik (1912-2009) e MahlonHoagland (1921-2009) determinaram a identidade da molécula adaptadora de Crick, tRNA.
1957 – Matthew Meselson (1930-) e Franklin Stahl (1929-) experimentalmente provaram o modelo de Watson e Crick de replicação semi-conservadora, o DNA se originava de uma molécula de DNA já existente.
1957 – Arthur Kornberg(1918-2007)isoloua enzima que sintetiza DNA, chamada DNA polimerase. Ele fezum sistema sem células que replica o DNA.
1961 – Sydney Brenner (1927-) mostrou que o rRNA não era o modelo para a construção de proteínas. Havia um terceiro tipo de RNA, e o nomeou de RNA mensageiro (mRNA).
1961 – Marshall Nirenberg(1927-2010)seu grupo, juntamente com o grupo de Har khorana’sdescobriram como a linguagem nucleotídica do mRNA é "traduzida" na linguagem de aminoácidos das proteínas. Dados genéticos de Crick e outros mostraram que três nucleótidos formam um códon - uma palavra de mRNA que especifica um aminoácido.
1961 – François Jacob (1920-2013) e Jacques Monod(1910-1976)mostraram que as bactérias fazem um inibidor para manter a produção de beta-galactosidase desligada. Sendo assim, os primeiros a descobrir como os genes foram ligados e desligados.
1965 – Roy Britten(1919-2012)mostrou que os genomas eucariotos têm muitas seqüências de DNA repetitivas e não codificantes.
1966 – Marshall Nirenberg (1927-2010) e Har Gobind Khorana (1922-2011)decifraram a estrutura química do DNA e o sistema pelo qual ele determina a sequência de aminoácidos nas proteínas.
1970 – David Baltimore (1938-) e Howard Martin Temin (1934-1994) fizeram descobertas sobre a interação entre vírus tumorais e o material genético da célula.
1972 – Stanley Cohen (1942-2013) e Herbert Boyer (1936-1959) criaram a tecnologia de DNA recombinante e eventualmente patentearam sua técnica - uma das primeiras patentes de biotecnologia concedidas.
1973 – Os avanços da Genética Molecular levaram aos primeiros experimentos de DNA recombinante, causando outra revolução nas pesquisas genéticas.
1974 – Richard Roberts (1943-) e Phillip Sharp (1944)desenvolveram uma série de ferramentas, como enzimas de restrição e técnicas importantes que levaram à nossa incrível descoberta de genes interrompidos.
1975 – Roger Kornberg (1947) descobriu a importância das histonas para a estrutura da cromatina.
1975 – Frederick Sanger (1918-2013) foi o primeiro a determinar a seqüência de aminoácidos em uma proteína. Mostrou que os 51 aminoácidos da proteína insulina estão dispostos em uma ordem específica.
1977 – Walter Gilbert (1932-) e Frederick Sanger desenvolveram métodos para o sequenciamento do DNA.
1980 – Leland Hartwell(1939-) estudou e descobriu genes envolvidos na síntese de proteínas e moléculas que atuam na divisão celular.
1980 – Christiane Nüsslein-Volhard (1942-) e Eric Wieschaus (1947-) realizaram experiências de mutagénese em larga escala para encontrar mutantes de Drosophila em desenvolvimento. O resultado de seus trabalho foi uma nova compreensão do mecanismo envolvido no desenvolvimento precoce de Drosophila melanogaster.
1983 – Kary Mullis (1944-) inventou uma técnica que amplifica sequências de DNA específicas a partir de quantidades muito pequenas de material genético. A reação da cadeia da polimerase (PCR, do inglês “Polimerase Chain Reaction”).
1989 – Thomas R.Cech (1854-) e Sidney Altman (1939-) seus trabalhos levaram à descoberta de que o RNA pode realizar “self-splicing”, portanto, pode atuar como uma ribozima.
1989 – Mario Capecchi(1937-)estudo maquinarias de células de mamíferos para mutação precisamente de qualquer gene que ele desejava. A técnica não só ajuda os pesquisadores a gerar camundongos com doenças humanas para estudo, mas também pode ser usado em futuras terapias genéticas para corrigir genes causadores de doenças.
1990 – A terapia gênica foi usada pela primeira vez por W .French Anderson e colaboradores no tratamento da deficiência de adenosina deaminase (ADA), nos EUA.
1991 – Robert Horvitz (1947-)interessou pelo parasita Caenorhabditiselegans, e usou-o como modelo para estudar uma série de sistemas de desenvolvimento, incluindo o desenvolvimento neuronal ea genética da linhagem celular.
1991 – Mary-Claire King (1946-) provou, juntamente com seus colegas, a existência do primeiro gene a ser associado com câncer de mama hereditário, agora conhecido como BRCA1. Certas mutações no gene BRCA1 são conhecidas para aumentar significativamente as chances de um portador de desenvolver câncer de mama.
1995 – Steve Fodor (1953-) foi encarregado de desenvolver um processo para gerar matrizes miniatura de alta densidade de compostos biológicos. Isso levou ao desenvolvimento do primeiro DNA GeneChip®, e as técnicas para ler e analisar esses chips para estudos genômicos em grande escala.
1995 – Fleischmannet al.determinarama primeira sequência completa de DNA de um organismo de vida livre, a bactéria Haemophilus influenzae, e a primeira sequência completa de um organismo eucarionte (levedura) foi relatada um ano depois.
2000 – Patrick O'Reilly Brown (1954-) desenvolveu microarrays de DNA na forma de caneta-tinteiro, onde uma solução contendo DNA é aspirada para dentro de uma caneta e depois impressa numa lâmina de vidro.
2000 – Craig Venter desenvolveu o método EST (Expressed Sequence Tags) de encontrar genes, e promoveu-o como mais barato e mais rápido do que o Projeto Genoma Humano que estava apenas começando.
2000 – Francis Collins supervisionou o mapeamento, o sequenciamento e o financiamento do primeiro projeto de "gra nde ciência" da biologia como diretor do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano desde 1993.
2003 – O genoma humano foi sequenciado, inaugurando uma nova era na genética. Um Consórcio Internacional de Sequenciamento do Genoma Humano contou com centenas de cientistas de mais de 20 centros de sequenciamento do mundo, tendo James Watson como o primeiro líder do Projeto Genoma Humano.
2007 – A sequência de DNA de James Watson é publicada.
2008 – Daniel G.Gibson et al. publicam a síntese do primeiro genoma bacteriano sintético.

A genética pode ser classificada nas seguintes subáreas:

Figura 2. Divisões da genética. Fonte: Venturieri, G.A.

Genética clássica: envolve os princípios básicos da hereditariedade e explica como as características são transmitidas de um indivíduo para outro. O foco é como o organismo herda seu genoma e como o seu material genético é passado para a geração seguinte.

Genética molecular: estuda a natureza química do gene, como a informação genética é codificada, replicada e expressa. Envolve os processos que controlam a expressão da informação genética, como replicação, transcrição e tradução. Sendo assim, estudado o gene, a sua estrutura, organização e função.

Genética evolutiva:explora a composição genética de membros da mesma espécie (populações) e como esta muda ao longo do tempo e espaço geográfico. Estuda genes encontrados em uma população.

Referências


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PIERCE, B. A. Genética: um enfoque conceitual. Tradução Paulo A. Motta. 3.ed. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan, 2011.

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