terça-feira, 9 de janeiro de 2018

11. Genética de populações

1. Distribuições de genes e genótipos nas populações
Em genética de populações, o termo população aplica-se a um grupo de organismos da mesma espécie que ocupam determinado espaço geográfico e são capazes de acasalar entre si. Ainda que, por definição, o entrecruzamento seja inerente a todos os seres sexuados de uma espécie, essencialmente o acasalamento não ocorre de uma maneira indiscriminada. Vejamos os exemplos de insetos que ocupam uma determinada floresta. Embora aqueles de uma mesma espécie possam cruzar entrei si, em geral, o acasalamento se dá entre os que habitam em uma mesma árvore.
Percebemos que a diversidade ambiental é um dos fatores que interferem no acasalamento, especificamente nas possibilidades de escolha dos parceiros. Além do ambiente, outras circunstâncias também podem influenciar o critério de escolha, como fatores culturais, religiosos ou socioeconômicos na espécie humana. Desse modo, a troca de genes ocorre, efetivamente, pelo entrecruzamento de organismos em unidades populacionais locais, também denominadas subpopulações.
Geração após geração, pela segregação e pela recombinação alélica, os genótipos dos organismos que compõem uma população sexuada dão origem a novos gametas, os quais, por fertilização, formam novas combinações de genótipos nos zigotos. Desse modo, elos reprodutivos conferem à população uma continuidade no tempo e no espaço, uma vez que os genótipos existentes em uma geração de organismos reprodutores determinarão os genótipos da geração seguinte.
Os genótipos presentes em determinada geração são resultantes da combinação de alelos produzidos na geração anterior que, por sua vez, irão segregar e recombinar para formar os gametas que darão origem aos genótipos da geração seguinte, embora eles mesmos não sejam transmitidos de maneira direta pelas gerações (Figura 1).

Figura 1. Interconexão reprodutiva existente entre as gerações de uma população. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

2. Frequências gênicas e genotípicas / Como calcular?
Denomina-se frequência alélica (ou gênica) a proporção de cada alelo presente em determinado locus em uma população e frequência genotípica à proporção dos genótipos resultantes da combinação desses alelos.
Em grandes populações, em geral, não é possível proceder à análise genética em todos os organismos, sendo os cálculos das frequências gênicas e genotípicas feitosa partir de amostras de organismos representativas dessas populações.
As frequências genotípicas são obtidas dividindo-se o número de indivíduos com determinado genótipo pelo número total de indivíduos na amostra analisada (N). Considerando a situação simples de um locus autossômico com um par de alelos (A e a), sem dominância, e os 3 genótipos possíveis (AA, Aa e aa), a frequência (f) de cada genótipo equivale a:

Equação 1.


Como vimos, em populações de organismos sexuados, os genótipos são combinações transitórias de alelos que, a cada geração, se desfazem. Os alelos são transmitidos para a geração seguinte pelos gametas. Desse modo, a população pode ser caracterizada por sua distribuição gênica, ou seja, pelas frequências dos alelos existentes nos diferentes loci. A frequência de determinado alelo é expresso como o número de cópias desse gene dividido pelo número total de alelos no locus. Logo, em uma população diploide, as frequências gênicas de um par de alelos autossômicos (A e a), representadas por p e q, podem ser obtidas da seguinte maneira:

Equação 2.


Verificamos, portanto, que a frequência de determinado alelo (A ou a) corresponde a duas vezes o número de indivíduos homozigotos para o alelo em questão, acrescido do número de heterozigotos e dividido por 2N. É possível calcular a proporção de cada alelo conhecendo-se as frequências dos genótipos existentes na população, isto é, as frequências gênicas podem ser calculadas com base nas frequências genotípicas:

Equação 3.


A frequência de determinado alelo em um locus equivale à soma da frequência do genótipo homozigoto para o alelo com metade da frequência dos heterozigotos, os quais tem apenas uma cópia do alelo. Vejamos como realizar esse cálculo referente ao grupo sanguíneo humano MN. Nesse locus, verifica-se a existência de dois alelos codominantes LM e LN, cuja combinação resulta em três genótipos possíveis, os quais, por sua vez, correspondem a três fenótipos distintos (M, MN e N). Com base na determinação do antígeno M e N nas hemácias de 1.200 indivíduos da população norte-americana, foram identificados 420LMLN e 180 LNLN.
Se dividirmos o número de indivíduos com cada genótipo pelo número total de pessoas analisadas, obteremos a frequência de 3 genótipos. Os cálculos mostram que 50% dos indivíduos dessa população são heterozigotos, 35% são homozigotos LMLM e 15% são homozigotos LNLN, sendo a soma das frequências genotípicas igual a 1 ou 100%.

Figura 2. Resolução do exemplo com base na equação 1. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

Agora que conhecemos as frequências genotípicas dos diferentes genótipos, podemos determinar as frequências gênicas.

Figura 3. Resolução do exemplo com base na equação 3. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

As frequências gênicas constituem um dos indicadores da diversidade genética existente entre as populações, de maneira que é comum encontrarmos variações nas frequências gênicas em diferentes demes. Populações que apresentam frequências gênicas iguais não necessariamente terão as mesmas frequências genotípicas, ou seja, demes distintos podem ter frequências gênicas iguais e diferir em relação às frequências de seus genótipos (Figura 2).

Figura 4. Frequências genotípicas e gênicas relativas aos alelos do grupo sanguíneo MN observadas em 3 demes distintos. Observe que as frequências gênicas são iguais e as frequências genotípicas se diferem.Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

3. Loci com alelos múltiplos
A existência de mais de dois alelos é comum em muitos loci e, nesses casos, os mesmos princípios já apresentados podem ser usados no cálculo das frequências gênicas. Vejamos como exemplo, uma situação de três alelos (A1, A2 e A3) em um locus, cuja combinação produz seis genótipos (A1A1, A1A2, A1A3, A2A2, A2A3 e A3A3). As frequências gênicas podem ser calculadas com base nas frequências genotípicas.

Equação 4.


4. Loci ligados ao cromossomo X

Em relação aos genes localizados no X, os princípios mostrados também são válidos para o cálculo das frequências gênicas, lembrando, no entanto, que no sistema de determinação sexual XY, como o que ocorre em mamíferos, o sexo heterogamético (XY) é homozigoto para alelos do cromossomo X, ao passo que o sexo homogamético (XX) pode ser homozigoto ou heterozigoto.
Por essa razão, alelos ligados ao X não se distribuem igualmente na população. Supondo-se a existência de dois alelos em umlocus do cromossomo X humano (XA e Xa), as mulheres podem apresentar três genótipos (XAXA, XAXa e XaXa), enquanto os homens apresentam apenas dois (XAY e XaY). Desse modo, em uma população com igual número de indivíduos masculinos e femininos, o cálculo das frequências gênicas no conjunto gênico total da população devera levar em conta as frequências dos diferentes genótipos de cada sexo:

Equação 5.


5. Modelo de Hardy-Weinberg
Como determinar as frequências gênicas e genotípicas a cada geração? O princípio de Hardy-Weinberg, formulado em 1908, estabelece uma relação matemática entre as frequências gênicas e genotípicas em geração subseqüentes, ou seja, reprodutores e seus descendentes. Esse modelo de equilíbrio genético, embasado nas leis mendelianas de segregação, nos possibilita fazer algumas predições sobre as frequências dos alelos e suas combinações nos genótipos. Trata-se de um modelo de referência muito utilizado que assume a não interferência de forças evolutivas na população.
As predições do equilíbrio Hardy-Weinberg podem ser aplicadas a grandes populações de organismos diplóides, com reprodução sexuada e cruzamento aleatório, nas quais os casais sejam igualmente férteis e as frequências gênicas sejam as mesmas nos machos e nas fêmeas. Entre as principais condições necessárias à utilização desse modelo destaca-se a necessidade da população em estudo ser grande o suficiente, de maneira que as frequências gênicas não sofram variação em virtude de erros de amostragem. Considera-se também que as gerações sejam discretas, ou seja, não ocorra sobreposição com elas.
Além disso, outro fator determinante das frequências genotípicas é a maneira como os casais se constituem a cada geração, ou seja, o tipo de acasalamento. O princípio de Hardy-Weinberg baseia-se no cruzamento aleatório (ou panmixia) que representa um sistema de reprodução observado sempre nas populações. Sob panmixia, a probabilidade de dois organismos com genótipos específicos se cruzarem será igual ao produto das frequências de seus genótipos na população. Portanto, em uma população panmítica, no qual os acasalamentos são por acaso, a probabilidade de dois genótipos colidirem será determinada por suas respectivas frequências na população.
Outra condição importante à aplicação do modelo de Hardy-Weinberg refere-se a ausência, na população, da ação de forças evolutivas, como mutação, migração e seleção natural. Considerando que a reprodução sexuada não é capaz de alterar as frequências gênicas e genotípicas e, em se tratando de uma população grande e panmítica, com gerações discretas, que atenda aos demais pressupostos, o princípio de Hardy-Weinberg estabelece algumas previsões importantes:
1. As frequências genotípicas podem ser calculadas com base nas frequências gênicas;
2. Na ausência de forças evolutivas, as frequências gênicas não se alteram de uma geração para outra em grandes populações panmíticas;
3. As frequências genotípicas alcançam o equilíbrio de Hardy-Weinberg e se mantém constantes após uma geração de cruzamentos aleatórios.

A Figura 5 destaca os principais pressupostos estabelecidos pelo modelo de Hardy-Weinberg. Assim, se uma população cumprir tais pressupostos ela manterá a estabilidade genética de maneira que suas frequências gênicas e genotípicas permanecerão inalteradas pelas gerações.

Figura 5. Principais condições necessárias para à aplicação da lei de Hardy-WeinbergFonte: PIMENTEL et al. (2013).

6. Equação de Hardy-Weinberg

Se considerarmos a união aleatória de gametas femininos e masculinos igualmente viáveis, produzidos em determinada geração de uma população, poderemos, com base nas frequências gênicas nesse conjunto de gametas, calcular as frequências dos genótipos que se formam nos zigotos, assumindo que todos os indivíduos da população contribuem igualmente para o reservatório de gametas.
Vejamos como exemplo com o grupo sanguíneo MN, se tratando de um locus autossômico com dois alelos. Assim, teremos o conjunto de gametas representado pelo alelo LM (p) e LN (q), como demostrado na Figura 4:

Figura 6. Proporções de genótipos produzidos pela combinação de dois alelos em um locus autossômico com base na união aleatória de gametas masculinos e femininos.Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

Assumindo que as frequências dos alelos LMe LNsão iguais nos gametas de ambos os sexos, verificamos que a distribuição das frequências genotípicas nos zigotos é equivalente a figura abaixo. Lembrando que p e q correspondem às frequências dos alelos LMe LN, respectivamente. E p², 2pq e q² correspondem às frequências dos genótipos LMLM, LMLN e LNLN, respectivamente.

Equação 6.

Percebemos que a probabilidade de um espermatozóide e um ovócito, portadores do alelo LM, se encontrarem é p x p = p²; a chance de dois gametas com os alelos LNse unirem é q x q = q²; e a frequência de gametas masculinos portadores de alelos LMse juntarem a gametas femininos portadores de alelos LN, ou vice-versa, é equivalente a pxq + qxp = 2pq. Concluímos, portanto, que o cruzamento aleatório produz genótipos nas proporções p², 2pq e q².
A equação conhecida como equação de Hardy-Weinberg, torna clara a nítida relação existente entre as frequências gênicas nos gametas e as frequências genotípicas nos zigotos, sendo possível calcular as frequências genotípicas no equilíbrio com base nas frequências gênicas. Esse modelo estabelece, portanto, que uma população cujas frequências genotípicas se apresentam de acordo com a equação 6 (citada acima) está em equilíbrio genético. Quando em equilíbrio, as frequências gênicas e genotípicas se mantem constantes no decorrer das gerações.

7. Alelos autossômicos múltiplos
Se considerarmos a existência de um locus autossômico com três alelos (A1, A2, A3), nas frequências (p, q e r), sendo p + q + r = 1, as proporções no equilíbrio dos seis genótipos possíveis serão equivalentes a (p + q + r)² = p² + 2pq + 2pr + q² + 2qr + r² (Figura 7).

Figura 7. Proporções de genótipos produzidos pela combinação de três alelos em um locus autossômico com base na união aleatória de gametas masculinos e femininos. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

Em relação à existência de apenas um par de alelos autossômicos, vimos que populações cujas frequências genotípicas não estão em equilíbrio de Hardy-Weinberg alcançam o equilíbrio genético após uma geração de reprodução aleatória. Isso também se aplica aos alelos autossômicos múltiplos, ou seja, na ausência de forças evolutivas, as frequências gênicas permanecem constantes e as frequências genotípicas alcançam o equilíbrio após uma geração de panmixia e se mantém inalteradas.

8. Genes ligados ao X
As considerações relativas aos alelos autossômicos não podem ser completamente aplicadas as distribuições genotípicas de características ligadas ao cromossomos X de maneira que essas alcançam uma situação de estabilidade genética ligeiramente diferente dos traços autossômicos.
Nos sexos homogamético (XX) o cálculo das frequências genotípicas no equilíbrio de Hardy-Weinberg é feito da mesma maneira que o dos genes autossômicos. Sendo assim, para um locus do X com 2 alelos (XA e Xa), as proporções genotípicas se distribuirão de acordo com (p + q)², sendo p², 2pq e q² as frequências dos genótipos, XAXA, XAXa, XaXa, e p e q as frequências dos alelos na população total.
Contudo, nos sexos heterogaméticos, as frequências genotípicas (XAY, XaY) no equilíbrio serão idênticas àsfrequências gênicas (p e q) da população (Figura 8).

Figura 8. Proporção de genótipos produzidos pela combinação de dois alelos ligados ao cromossomo X com base na união aleatória de gametas masculinos e femininos. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

Sendo assim, em relação aos alelos ligados ao X, a estabilidade da distribuição dos genótipos na população, como um todo, nem sempre é alcançada após uma geração de cruzamentos aleatórios. Isso ocorre somente quando as frequências genotípicas do sexo heterogamético na geração inicial, correspondem as frequências gênicas da população total. Do contrário, várias gerações em panmixia são necessárias para que os genótipos se distribuam de maneira estável na população.
Suponhamos, em uma população humana, a ocorrência de um traço condicionado por um par de alelos, A e a, ligados ao X, com frequências gênicas p e q, respectivamente, lembrando, que em humanos, o sexo masculino é homozigoto, para alelos do cromossomo X.

Figura 9. Resolução do exemplo com base na equação 5. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

Ao verificarmos as frequências gênicas na população (p= 0,60 e q= 0,40) são iguais às frequências genotípicas no sexo masculino, podemos antever que a distribuição estável dos genótipos, segundo a lei de Hardy-Weinberg será alcançada após uma geração de cruzamentos aleatórios.

8. Exceções ao modelo de Hardy-Weinberg

Veremos algumas situações, em que a lei de Hardy-Weinberg não é válida. Vimos que uma das condições fundamentais para a aplicação desse modelo é a panmixia, ou seja, a reprodução da população tem que ocorrer ao acaso. Quando isso não acontece, a relação que o princípio de Hardy-Weinberg estabelece entre as frequências se desfaz.
Existem dois tipos de cruzamento não aleatório: a reprodução preferencial, pela qual os indivíduos de uma população selecionam, seus parceiros com base em determinadas características fenotípicas, e reprodução consanguínea, que se refere ao cruzamento entre organismos geneticamente aparentados. Nessas duas condições, pela reprodução não ocorrer de maneira aleatória, a frequência genotípica sofre alteração com o passar das gerações e os desvios em relação ao equilíbrio de Hardy-Weinberg são notados.

8.1 Agentes promotores de variação genética nas populações.
8.1.1. Mutação
A mutação é fonte original de variação genética, capaz de transformar um alelo em outro. Ela ocorre como um evento aleatório, que pode alterar, excluir ou duplicar qualquer segmento do DNA. Quando a mutação ocorre na linhagem de células que dá origem aos gametas, ela pode ser transmitida aos descendentes e, dependendo da taxa com que ocorre, é possível que as frequências gênicas nos gametas não necessariamente reflitam aquelas da população original.
Com base no conhecimento da taxa de mutação de um gene, é possível prever o impacto que ela, por si só, pode ocasionar nas frequências gênicas de uma geração para próxima. Assim, sabe-se que em virtude das baixas taxas ocorridas na natureza, a mutação é capaz de alterar as proporções dos alelos em uma população de modo extremamente lento, embora outros fatores também atuem nesse sentido.
Não podemos desconsiderar o fato de toda modificação química envolvida na mudança de um alelo para outro ser recorrente, ou seja, poder se dar em ambos os sentidos. Embora, em geral, as mutações diretas, que transforma um alelo comum em um alelo mutante, sejam mais frequentes que as mutações reversas, onde um alelo mutante se transforma em um alelo comum. Assim, se for a equivalência entre as mutações reversas e diretas, a mutação não irá afetar as frequências gênicas.
Portanto, embora a mutação seja uma fonte genuína de variabilidade genética, por possibilitar que novos alelos sejam acrescidos ao reservatório gênico, ela tem capacidade reduzida de alterar frequências gênicas se comparada a outros agentes evolutivos.

8.1.2.Fluxo gênico
Uma população pode variar de tamanho por causa de mudanças em suas taxas de natalidade ou de mortalidade e também em decorrência da incorporação ou subtração de organismos em virtude da migração. Pelo fluxo migratório, alelos podem ser acrescidos ao conjunto gênico de uma população, trazidos por organismos férteis oriundos de outros demes, ou perdidos, pelos organismos que emigram, de maneira que a migração constitui outro processo capaz de alterar as frequências alélicas e genotípicas. A introdução de alelos de uma população em outra, denominada fluxo gênico, é particularmente notada como importante fonte de variação genética se a população doadora, aquela da qual os migrantes se originam, e a receptora, que recebeu os migrantes, apresentarem frequências gênicas diferentes.
O efeito de migração sobre as frequências dos alelos depende de alguns fatores, como taxa de migração (proporção de migrantes férteis que chegam à população receptora), tamanho da população receptora e magnitude da divergência genética entre as populações envolvidas, isto é, o quanto elas diferem em relação a suas frequências alélicas.
Como exemplo (Figura 7), temos duas populações humanas que habitam regiões geográficas distintas e divergem em relação àsfrequências de dois alelos de um gene autossômico. Considerando queem determinada geração, ocorreu a migração de um grupo de indivíduos da população 2 para a população 1, sem fluxo correspondendo na direção contraria, ou seja, trata-se de uma migração unidirecional. Considerando que as frequências gênicas são distintas nas duas populações originais, na geração seguinte, após o cruzamento aleatório entre o grupo de migrantes com os nativos, o deme recém constituído (população 1’) terá novas frequências gênicas.

Figura 10. O esquema mostra a migração unidirecional de um grupo de indivíduos da população 2 para a população 1. O efeito do fluxo migratório entre demes depende da extensão da migração e das diferenças nas frequências gênicas. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

Em geral, na natureza, subpopulações de uma espécie que habitam ambientes distintos tendem a diferir em relações a suas frequências gênicas, devido a adaptação do meio. Os alelos trazidos pelos organismos que migram, passados através da reprodução, são incorporados ao reservatório gênico da população receptora, de maneira que, a nova unidade reprodutiva terá frequências gênicas intermediarias entre a população receptora e a doadora. Desse modo, o fluxo gênico entre as populações pode alterar as frequências gênicas. Mas se as frequências gênicas nas duas populações forem equivalentes, a migração não promoverá nenhum efeito.

8.1.3. Seleção natural
Paralelamente à ação de agentes que são fonte de variabilidade na população, como a mutação e o fluxo gênico, a seleção natural atua promovendo a evolução adaptativa. Ela é a principal força capaz de modificar as frequências gênicas em grandes populações.
O ambiente onde se vive limita o tamanho da população, levando os organismos a competirem entre si por recursos de sobrevivência. Assim, os organismos que representam maior sobrevida e desempenho reprodutivo acabam por ter mais vantagens. Isso ocorre por que o fenótipo desses organismos confere a eles melhor adaptabilidade, como resultado, os alelos são transmitidos para as gerações seguintes.
Os organismos mais adaptados são aqueles que expressam fenótipos vantajosos para a sobrevivência e reprodução. A adequação biológica que um fenótipo confere a um organismo em relação a outro, em um ambiente especifico, é chamado de valor adaptativo (W), sendo essa medida relativa que expressa a adaptação de um organismo às condições ambientais existentes em comparação aos demais organismos do deme. Ou seja, o valor adaptativo mede a capacidade que os organismos com fenótipos distintos tem de transmitir seus alelos às gerações futuras.
Dois componentes são fatores importantes que influenciam a adaptabilidade: viabilidade e sucesso reprodutivo. Para que um organismo seja capaz de gerar prole numerosa é necessário que ele consiga sobreviver até a idade reprodutiva, seja fértil e alcance êxito reprodutivo. Os seres capazes de produzir grande descendência são aqueles mais bem adaptados ao ambiente, e portanto, cujos genótipos possuem maior valor adaptativo.
A intensidade de ação de seleção natural sobre fenótipos com diferentes graus de adaptaçãoàs condições existentes é medida pelo coeficiente de seleção (s). O coeficiente de seleção corresponde a 1 – W e expressa a redução na capacidade relativa de cada genótipo deixar descendentes em comparação com o genótipo mais adaptado.
Supondo que determinado traço genético tenha um valor adaptativo de 0,30, saberemos que o coeficiente de seleção relativo a esse traço será de 0,70, visto que 1 – 0,30 é 0,70.


8.1.4. Deriva genética
Embora a transmissão gênica de uma geração para a seguinte aconteça de maneira previsível, existe a possibilidade de que alguns eventos não previstos ocorram e interfiram. Ou seja, agentes aleatórios podem agir e promover mudanças na composição genética de uma população. Esse processo é conhecido como deriva genética.
A deriva genética é capaz de modificar as frequências dos alelos em uma população em relação à geração parental de modo indeterminado, ou seja, ao acaso, constituindo um mecanismo que reduz a variabilidade genética nas populações.
Se considerarmos várias populações, todas de mesmo tamanho e com as mesmas frequências gênicas, sob efeito da deriva genética, com o passar das gerações ocorrerão flutuações imprevisíveis nas proporções de seus alelos, tornando as populações distintas.
A deriva genética ocorre quando o número de organismos férteis em uma população torna-se reduzido não garantindo integralmente que os alelos de pool gênico sejam repassados àgeração seguinte. Em decorrência unicamente do acaso, alelos podem estar mais ou menos representados no conjunto gamético ocasionando alterações aleatórias nas frequências gênicas da população. Portanto, quanto menor o número de indivíduos capazes de se reproduzir, maiores serão os efeitos decorrentes do acaso nas frequências gênicas, de maneira que grandes desvios poderão ser notados em relação à composição genética, entre as gerações da população.
Embora nas populações infinitamente grandes o efeito da deriva genética seja mínimo, nas de pequeno tamanho ela pode constituir a principal força evolutiva, considerando que a variação aleatória nas frequências gênicas, promovida nas gerações pode levar à fixação ou à perda de alelos.

a) Efeito fundador
O efeito fundador é uma circunstância que causa deriva genética e ocorre quando alguns organismos de uma grande população emigram ou, por outro fator qualquer, separam-se de sua população de origem e entram em outra população. Assim, esse pequeno grupo de organismos, isolado de sua população nativa, passará a constituir um novo deme, se reproduzirá e crescerá em tamanho (Figura 11).

Figura 11. Variações são notadas na composição genética de populações quando elas se originam de um pequeno grupo de organismos. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

O conjunto gênico agora existente é derivado, portanto, dos alelos presentes nos fundadores que são representativos do pool gênico da população da qual se originaram. Proporções alélicas observadas em certas populações humanas evidenciam a nítida ocorrência de erros de amostragem. Nessas populações, as frequências observadas são um forte indicativo de que elas tenham se originado de um número reduzido de indivíduos fundadores.
Um exemplo conhecido diz respeito ao grupo sanguíneo ABO entre índios não miscigenados da região amazônica, os quais são isogênicos para o grupo O, ou seja, apenas o alelo i está segregando nessa comunidade (os alelos Ia e Ib não existem). É bastante plausível que o efeito fundador seja o provável responsável pela elevada incidência de doenças hereditárias raras em populações humanas.

b) Gargalo genético
Outro fator que pode levar à deriva genética é o gargalo genético, que ocorre quando o tamanho de uma grande população é drasticamente reduzido. A diminuição acentuada de uma população pode se dar em virtude de acontecimentos repentinos, como grandes epidemias e outras catástrofes naturais, capazes de possibilitar a sobrevivência de um pequeno número de indivíduos reprodutivos. Esses desastres podem diminuir seriamente a diversidade genética da população.
O efeito gargalo decorre do estreitamento na passagem de genes de uma geração para outra em uma população que, em razão da diminuição aleatório de seu tamanho, passou por drástica redução de genitores. Assim, a geração seguinte, originada a partir do conjunto de gametas dos organismos sobreviventes, poderá apresentar composição genética distinta da população pré-gargalo, que não necessariamente corresponde àsfrequências gênicas do pool gênico original.

Figura 12. O que ocorre em uma população quando esta passa por uma redução drástica de tamanho em virtude de acontecimentos repentinos. As bolinhas de diferentes cores correspondem aos genótipos dos organismos. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

Referências Bibliográficas
PIMENTEL, M.M.G. et al. Genética essencial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.

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