quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

12. Genética de conservação

1.Variação genética e estruturação populacional
A manutenção da diversidade genética é um dos principais focos da biologia de conservação, já que é ela que fornece o potencial adaptativo de uma espécie. A Mata Atlântica é, depois da Amazônia, a maior formação florestal da América do Sul. A variabilidade genética interpopulacional pode estar seriamente ameaçada com o processo de devastação florestal, principalmente devido a perda de alelos exclusivos que seriam extintos com o desaparecimento de populações locais. Isso nos remete a questões importantes relacionadas às escalas apropriadas para a criação e manutenção de reservas naturais.

2.Identificação da biodiversidade críptica

Espécies crípticas são aquelas que, apesar de serem morfologicamente idênticas ou muito parecidas, constituem unidades evolutivas independentes, com isolamento reprodutivo. A existência de espécies crípticas é um problema particularmente comum em organismos marinhos, pois esses, ao contrário do observado para a maioria dos animais terrestres, raramente empregam pistas visuais para o reconhecimento e escolha de parceiros para a reprodução.
Na maioria dos organismos marinhos a reprodução é feita pela liberação de gametas na água, e uma boa parte dos mecanismos de isolamento reprodutivo pré-zigótico é desempenhado pelo reconhecimento químico entre os gametas. O não reconhecimento das espécies tem várias consequências, desde a subestimava da biodiversidade real de cada local até a ameaça de extinção de espécies raras que podem não ser protegidas por serem morfologicamente iguais a outras espécies mais comuns.
Para o manejo da pesca, isso é muito importante, pois os órgãos de controle precisam saber que espécies estão sendo pescadas para que possam detectar diminuições nas capturas que indicam a redução de espécies o esgotamento dos estoques .

3.Filogeografia
O termo filogeografia foi inicialmente proposto para descrever a área de estudo que se ocupa dos princípios e processos que direcionam a distribuição das linhagens genealógicas. No estudo das espécies neotropicais, a filogeografia tem se mostrado uma ferramenta bastante útil e capaz de revelar o papel que eventos históricos complexos possuem sobre a distribuição da diversidade e estrutura genética das espécies. Para exemplificar como esse campo da genética de conservação vem sendo utilizado, vejamos as análises de peixes-bois.
Os peixes-bois (gênero Trichechus) são mamíferos aquáticos da ordem Sirenia encontrados em águas tropicais e subtropicais. O tamanho atual da população de peixe-boi marinho no Brasil é estimado em aproximadamente 500 indivíduos. O pequeno tamanho populacional, associado a outros fenômenos como a baixa taxa de reprodutiva, alta mortalidade de filhotes e poluição, dificulta a sobrevivência dessa espécie na costa brasileira.
Historicamente o peixe-boi marinho tem sido dividido em duas subespécies (T. manatuslatirostris e T. manatusmanatus). Entretanto, os estudos filogeográaficos recentes, utilizando DNA mitocondrial, identificaram a presença de três haplogrupos: 1) Brasil e Guianas; 2) Flórida e Grandes Antilhas; 3) populações a oeste de Trinidad. Além disso, os dados também indicam uma menor diversidade genética nas populações localizadas nos extremos das suas distribuições, provavelmente resultado da colonização mais recente destas áreas por indivíduos procedentes de latitudes menores.

4.Efeitos da fragmentação e papel dos corredores
A fragmentação de habitats é, juntamente com a sua destruição, uma das maiores ameaças para a conservação de biodiversidade. A fragmentação pode fazer com que os indivíduos de uma espécie se tornem restritos a pequenas áreas, tornando-os parcial ou totalmente isolados das outras populações devido à presença de uma matriz diferente do habitat original.
Do ponto de vista genético a fragmentação poderá alterar o fluxo gênico entre as populações, tornando-as mais susceptíveis aos processos de deriva genética e endogamia. Avaliar os efeitos que a fragmentação de habitat possui sobre a diversidade e estrutura genética das espécies animais e vegetais é fundamental para que medidas efetivas de conservação sejam tomadas.
Os remanescentes florestais possuem grande valor ecológico e a conectividade dos fragmentos por meio de corredores de vegetação para ser uma alternativa importante na conservação destes ambientes, facilitando o fluxo gênico entre as populações e a manutenção das espécies.

5.Tamanho populacional efetivo
Do ponto de vista genético o tamanho populacional efetivo é mais importante do que o tamanho populacional obtido através de censos, sendo influenciado por desvios na proporção sexual dos indivíduos reprodutivos, por oscilações no tamanho populacional ao longo das gerações e variações no tamanho familiar.
A seguir mostramos um exemplo de como o tamanho populacional efetivo pode ser calculado através das metodologias ecológicas tradicionais. Quando isso não é possível, dados moleculares podem ser utilizados para esse fim. Em decorrência da escassez de recursos alimentares causada pelo fenômeno El Niño de 1996/1998 (Tabela 1), a população peruana de lobo-marinho sul-americano (Arctocephalusaustralis) declinou cerca de 72% e foi considerada em período de extinção na região.
No lobo-marinho sul-americano o sistema reprodutivo é poligínico, sendo que o macho alfa-territorial forma um harém ou delimita um território onde copula com várias fêmeas adultas, enquanto que os machos restantes, apesar de possuírem idade reprodutiva, não possuem nenhum território nem copulam com fêmeas, sendo identificados como machos periféricos.
Nesse sistema, um número reduzido de machos é capaz de copular com várias fêmeas, de forma que o tamanho populacional efetivo será sempre um numero menor que o tamanho populacional estimado.

Tabela 01. Censo populacional de Arctocephalusaustralis obtido nos períodos imediatamente anterior e posterior ao fênomeno El Ñinode 1996/1998. Nef = número de fêmeas reprodutivas; Nem = numero de machos reprodutivos; N = numero total de indivíduos.

6.Identificação de unidades evolutivamente significativas e de unidades de manejo
Populações de uma mesma espécie podem ser substancialmente diferentes, em termos genéticos, a ponto de ser justificável o seu manejo de forma independente. apesar de ainda não haver um consenso sobre todos os aspectos que devem ser levados em consideração quando do estabelecimento das unidades evolutivamente significativas e das unidades de manejo. A arara-azul-grande (Anodorhynchushyacinhinus) é uma espécie considerada vulnerável que pode ser encontrada no Brasil em três grandes áreas disjuntas. O maior grupo ocorre no Pantanal Mato-grossense, enquanto os outros dois grupos são encontrados no norte e em uma região do nordeste brasileiro.
As análises genéticas de indivíduos provenientes dessas três regiões indicam que há uma significativa diferenciação dessas aves em três grupos, os quais formam três unidades evolutivamente significativas correspondentes ao Pantanal norte, ao Pantanal sul e ao conjunto das populações presentes na região nordeste e norte. A diferenciação entre o Pantanal norte e o Pantanal sul não era esperada, uma vez que aparentemente não existem barreiras para o fluxo dessa espécie nesta região. Já a diferenciação das populações do Pantanal em relação ao grupo norte/nordeste era esperada.
A caracterização dessas unidades evolutivas e das diferenças genéticas encontradas entre os três grupos permitem identificar, com base em estimativas de probabilidade, a região de origem de um determinado indivíduo. Essa ferramenta pode ser importante no combate do tráfico de aves, já que permite a identificação da procedência dos animais apreendidos pela fiscalização.

7. Conservação da agrobiodiversidade

A grande diversidade encontrada nos biomas brasileiros faz verdadeiros bancos naturais de recursos genéticos. Várias espécies nativas da América do Sul são cultivadas na Mata Atlântica por agricultores tradicionais como a mandioca e a batata doce, devido ao valor econômico e nutricional, em um sistema conhecido como agricultura itinerante.
Estudos realizados com as duas culturas citadas acima, cultivadas por agricultores tradicionais e povos indígenas, demonstram que estes empregam práticas de manejo em roças que podem favorecer a conservação, preservação e aumento da diversidade genética. Tais estudos ressaltam a importância desses agricultores que, além de serem detentores do conhecimento a respeito das peculiaridades de manejo desta diversidade, promovem também a sua conservação in situ. O sistema de agricultura tradicional permite a continuidade de processos evolutivos inerentes às relações entre o homem e as plantas dentro de suas roças itinerantes, contribuindo para a redução do processo de erosão genética.

8. Hibridação de espécies e riscos de conservação
Hibridação é o cruzamento entre espécies, raças, variedades e assim por diante, em plantas e animais. Na maioria das vezes, a ocorrência de hibridação representa um risco para a conservação das espécies. A sua ocorrência pode ser detectada e monitorada através da análise genética.
Na foz do Rio Amazonas, as duas espécies de peixes-bois encontradas no Brasil vivem em simpatria, ou seja, vivem juntos sem a possibilidade de cruzamento entre espécies diferentes: o peixe-boi marinho (Trichechusmanatus) e o peixe-boi amazônico (Trichechusinunguis). Nessa área e na região das Guianas, análises citogenéticas e nas moleculares diagnosticaram a hibridação interespecífica em oito indivíduos, incluindo híbridos F1 e de gerações posteriores.
Um dos híbridos, procedente da costa do Amapá, e identificado como peixe-boi marinho, apresentou um numero de cromossomos (2n=50), intermediário entre o peixe boi marinho (2n=48) e o peixe boi amazônico (2n=56). Além disso, apresentava algumas características morfológicas de ambas as espécies. A hibridização entre as duas espécies pode representar um sério problema de conservação devido à diminuição do sucesso reprodutivo, principalmente para a espécie marinha, que possui uma população já reduzida e com diversidade genética baixa.

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