domingo, 8 de outubro de 2017

8. Mutações gênicas e mecanismos de reparo

1. Fonte de variabilidade genética.
Como surgem as variantes genéticas? Dois processos importantes são responsáveis pela variação genética: mutação e recombinação. A mutação é considerada significativa pois é fonte primária da mudança evolutiva, visto que resultam na formação de novos alelos. A recombinação é resultado de processos celulares que fazem com que os alelos de genes diferentes se agrupem em novas combinações.

2. Mutações gênicas
As mutações gênicas podem surgir espontaneamente ou ser induzidas. As mutações espontâneas ocorrem de maneira natural e surgem em todas as células, enquanto que as mutações induzidas surgem pela ação de agentes mutagênicos que aumentam a taxa de ocorrência de mutações.
Os dois principais tipos de mutação gênica são substituições de bases e inserções ou deleções. As substituições de bases são mutações nas quais os pares de bases são substituídos por outros, podendo ser divididas em transições e transversões. Já as mutações de inserções ou deleções, na verdade, se referem a pares de nucleotídeos. Coletivamente, são chamadas de mutações indel, (abreviações de inserção-deleção).
Existem três tipos de mutações gênicas: mutações sinônimas, mutações sem sentido e mutações de sentido trocado. As mutações sinônimas nunca alteram a sequência de aminoácidos da cadeia polipeptídica. Já as mutações de sentido trocado podem substituir um aminoácido por outro quimicamente similar, sendo chamada de substituição conservativa, ou um aminoácido pode ser substituído por outro quimicamente diferente, sendo chamada de substituição não conservativa. As mutações sem sentido levarão a um término prematuro da tradução, inserindo um stop códon. Assim, elas têm um efeito considerável no funcionamento da proteína.

3. A base molecular das mutações gênicas espontâneas
As mutações espontâneas têm várias fontes. Uma delas é o processo de replicação do DNA. Mesmo que seja um processo acurado, erros são cometidos na cópia de milhões de pares de bases em um genoma. Um erro na replicação do DNA pode ocorrer quando se forma um par errado de nucleotídeos na síntese do DNA, sendo considerado uma transição ou transversão. Também pode ocorrer subtração ou adição de pares de bases durante a leitura do DNA.
As mutações de transição ocorrem quando uma purina é substituída por outra purina ou uma pirimidina é substituída por outra pirimidina (Figura 1). Nas mutações de transversão, as purinas são trocadas por pirimidinas e pirimidinas são trocadas por purinas.

Figura 01.Mutações de ponto na região codificadora de um gene variam em seus efeitos sobre o funcionamento da proteína. Fonte: Griffiths et al., 2013.

Quando ocorre deleção ou inserção, chamamos de mutações indel (Figura 2), ou seja, adição ou subtração de um ou mais pares de bases que acarretam em mutações na matriz de leitura.

Figura 2. Inserções e deleções de bases (mutações indel) causam mudança na matriz de leitura. Fonte: Griffiths et al., 2013.

3.1 Mutações espontâneas em humanos
Análises de DNA revelaram que as mutações gênicas contribuem para numerosas doenças humanas hereditárias. Algumas são substituições de bases ou tipo indel, entretanto, algumas são mais complexas e são causados por duplicações de sequências curtas repetidas.
Um mecanismo comum responsável por várias doenças é a expansão de uma repetição de três pares de bases, por isso, elas são chamadas de doenças de repetição de trinucleotídeos (Figura 3). Um exemplo é a doença humana conhecida como síndrome do X frágil, a forma de retardo mental hereditário mais comum. Ela se manifesta citologicamente por um sitio frágil no cromossomo X, que resulta em mudanças no número de uma repetição (CGG), em uma região do gene FMR-1 que é transcrita e não traduzida.

Figura 3.O gene FMR-1 na síndrome do X frágil. (a) estrutura do éxon e repetição CGG antecedente. (b) Transcrição e metilação em alelos normais, pré mutação e mutação total. Fonte: Griffiths et al., 2013.

4. A base molecular das mutações gênicas induzidas
Enquanto as mutações espontâneas são produzidas dentro das células, as fontes de mutações induzidas são encontradas no ambiente, intencionalmente aplicadas em laboratórios ou encontradas por acaso no cotidiano. Em um laboratório, a produção de mutações ocorridas pela exposição a mutágenos chama-se mutagênese.
Os mutágenos induzem mutações por pelo menos três mecanismos diferentes. Eles podem substituir uma base no DNA, podem alterar uma base de modo que ela faça um pareamento errado com outra base ou podem danificar uma base de modo que ela não possa mais parear com outra base em condições normais.

4.1 Mecanismos de mutagênese
Alguns compostos químicos são similares às bases nitrogenadas do DNA, de modo que são ocasionalmente incorporadas ao DNA no lugar das bases normais. Esses compostos são chamados de análogos de bases. Depois que entram no lugar das bases, os análogos tem propriedades de pareamento diferentes, assim, podem produzir mutações fazendo com que os nucleotídeos incorretos sejam inseridos em oposição a eles na replicação.
Um análogo de base muito usado em pesquisa é a 2-aminopurina (2-AP). Esse análogo de adenina pode parear com timina, mas também pode fazer mal pareamento com a citosina. Os estudos comprovam que a 2-AP causa quase exclusivamente transições de bases.
Outra classe modificadora de DNA importante são os agentes intercalares(Figura 4). Esses agentes são moléculas planares que mimetizam pares de bases e são capazes de inserir-se entre bases nitrogenadas empilhadas na dupla hélice de DNA. Nessa posição intercalada, tal agente pode causar uma inserção ou deleção de um par de nucleotídeos.

Figura 4.Estrutura dos agentes intercalares comuns e sua interação com o DNA. Fonte: Griffiths et al., 2013.

Existem outros mutágenos que impossibilitam um pareamento correto de bases, pois danifica uma ou mais bases, mecanismo de mutagênese então conhecido como danos às bases. A luz ultravioleta e a radiação ionizante são exemplos de mutágenos conhecidos. A luz ultravioleta causa danos às bases nucleotídicas na maioria dos organismos, pois gera vários tipos distintos de alteração no DNA, chamados de fotoprodutos (Figura 5). A radiação ionizante resulta na formação de moléculas ionizadas e excitadas que danificam o DNA. Devido a natureza aquosa dos sistemas biológicos, as moléculas geradas pelos efeitos da radiação ionizante na água produzem os maiores danos.

Figura 5.Fotoprodutos que unem pirimidinas adjacentes no DNA estão fortemente correlacionados com mutagênese. Fonte: Griffiths et al., 2013.

5. Mecanismos biológicos de reparo
Em virtude da diversidade de mutações - induzidas ou espontâneas -, torna-se necessário a necessidade de uma manutenção, evitando a perpetuação das mutações. Por esse motivo, todas as nossas células dispõem de caminhos alternativos de reparo de lesões ao DNA. A escolha por cada um desses caminhos dependerá do tipo de dano e da situação.

5.1. Prevenção de erros

Antes mesmo que a mutação aconteça, nosso organismo dispõe de alguns sistemas enzimáticos que atuam sobre os compostos mutagênicos, neutralizando-os antes que ocorra uma interação com a dupla fita. Um bom exemplo a ser citado, são as enzimas superóxido dismutase e catalase, que agem como defensoras antioxidantes na proteção do DNA contra os danos oxidativos dos radicais livres.

5.2. Reparo por excisão
Existem dois tipos principais de reparo por excisão: reparo por excisão de bases e reparo por excisão de nucleotídeos. O reparo por excisão de nucleotídeos conta com a participação de quatro classes de enzimas essenciais: endonucleases, exonucleases, DNA polimerases e DNA ligases. Na 1ª etapa, uma endonuclease de reparo reconhece o fragmento lesado, o qual posteriormente é excisado por uma exonuclease. Na 2ª etapa, uma DNA polimerase preenche o espaço usando como molde o filamento complementar de DNA não lesado. Na 3ª etapa, a enzima DNAligse liga a lacuna deixada pela DNA polimerase, restabelecendo o novo fragmento ao restante da molécula. Esse sistema é utilizado para reparos considerados grandes.
Algumas vezes, o dano não é tão grande a ponto de ser reconhecido pelo sistema de reparo de excisão por nucleotídeos, como no caso de alterações na estrutura química das bases. No caso do sistema de reparo por excisão de base, a enzima DNA glicosilase é quem reconhece a base danificada, clivando as ligações glicosídicas entre a base mal pareada e o açúcar. Em seguida, as endonucleases AP cortam o filamento danificado antes do sítio AP, e excisam os grupos açúcar-fosfato dos locais onde as bases estão ausentes. Em seguida, a DNA polimerase substitui o nucleotídeo ausente e a DNA ligase restaura a fita, sendo as extremidades da clivagem (Figura 6).

Figura 6.No reparo por excisão de base, as bases danificadas são removidas e reparadas. Fonte: Griffiths et al., 2013.

5.3. Reparo de mal pareamento
Algumas bases mal pareadas conseguem passar despercebidas durante a atividade 3’  5’ da revisão realizada pela DNA polimerase durante a replicação. O reparo de mal pareamento busca esses pareamentos que permaneceram incorretos na fita recém-sintetizada e corrigi com base na sequência disposta pela fita molde (Figura 7). Pode ser citada como exemplo, uma timina que foi pareada com uma guanina.

Figura 7. Modelo para reparo de mal pareamento em E. coli. Fonte: Griffiths et al., 2013.

5.4. Reparo por recombinação

Esse sistema de reparo recebe esse nome pelo fato de sua atividade fazer uso de propriedades inerentes ao processo de recombinação do DNA. Isso significa que o dano pode ser estrutural em uma das fitas, ou seja, quando o DNA é replicado, a maquinaria de replicação passa pelo ponto danificado sem copiá-lo, deixando assim uma lacuna de tamanho considerável na fita recém-sintetizada. A informação contida na lacuna é perdida, podendo somente ser recuperada pela utilização de outra molécula idêntica de DNA.

6. Câncer: consequência fenotípica importante da mutação.
Qual a ligação entre o câncer e a mutação? Praticamente todos os cânceres de células somáticas surgem devido a uma série de mutações específicas que se acumulam em uma célula. Um tumor maligno ou benigno (câncer), é um agregado de células, todas descendentes de uma célula inicial aberrante. As células cancerosas tipicamente diferem de suas vizinhas normais por várias características fenotípicas como: rápida taxa de divisão, capacidade de invadir novos territórios celulares, alta taxa metabólica e forma anormal.
Podemos pensar no câncer, de modo geral, como consequência ao acúmulo de múltiplas mutações em uma única célula. Algumas dessas mutações são transmitidas pelos genitores por meio da linhagem germinativa. Várias evidências indicam uma origem genética para a transformação de células no estado benigno para o estado canceroso. Dois tipos gerais estão associados a tumores: mutações oncogênicas e em genes supressores de tumor.
A mutações oncogênicas atuam em uma célula cancerosa como mutação dominante de ganho de função. Essa mutação precisa estar presente apenas em um alelo para contribuir para a formação do tumor. Já as mutações nos genes supressores de tumor, são mutações recessivas de perda de função, ou seja, esse tipo de mutação faz com que os produtos dos genes codificados percam muito da sua atividade ou toda ela. Assim, para que o câncer se desenvolva, a mutação tem que estar presente em ambos os alelos.

Exercícios
01) Nas células adultas que pararam de se dividir, que tipos de sistemas de reparo são possíveis?

02) Certo composto que é um análogo da base citosina pode ser incorporado ao DNA. Ele normalmente faz pontes de hidrogênio como a citosina, mas, muito frequentemente, isomeriza-se em uma forma que faz pontes de hidrogênio com a timina. Você espera que esse composto seja mutagênico? Em caso afirmativo, que tipos de mudanças ele pode induzir no DNA?

03) Defenda a afirmação “o câncer é uma doença genética”.

Gabarito
01) Os sistemas de reparos são: reparo por excisão, reparo por recombinação e reparo por mal pareamento.

02) Sim, é mutagênico e causará transições de CG para TA.

03) A seguinte lista contém argumentos sobre o câncer ser uma doença genética:
(1) Determinados cânceres são herdados como traços mendelianos.
(2) A maioria dos agentes carcinogênicos também são mutagênicos.
(3) Vários oncogenes já foram isolados de vírus tumorais.
(4) Alguns genes que acarretam susceptibilidade a determinados tipos de câncer já foram mapeados, isolados e estudados.

Referências Bibliográficas


GRIFFITHS, A.J.F.; WESSLER, S.R.; LEWONTIN, R.C.; CARROLL, S.B. Introdução à Genética. 10. ed. rev. Trad. Idilia Vanzellotti. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.

PIERCE, BENJAMIN A. Genética: um enfoque conceitual. Tradução Paulo A. Motta. 3.ed. Rio de Janeiro: GuanabaraKoogan, 2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário