quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

12. Genética de conservação

1.Variação genética e estruturação populacional
A manutenção da diversidade genética é um dos principais focos da biologia de conservação, já que é ela que fornece o potencial adaptativo de uma espécie. A Mata Atlântica é, depois da Amazônia, a maior formação florestal da América do Sul. A variabilidade genética interpopulacional pode estar seriamente ameaçada com o processo de devastação florestal, principalmente devido a perda de alelos exclusivos que seriam extintos com o desaparecimento de populações locais. Isso nos remete a questões importantes relacionadas às escalas apropriadas para a criação e manutenção de reservas naturais.

2.Identificação da biodiversidade críptica

Espécies crípticas são aquelas que, apesar de serem morfologicamente idênticas ou muito parecidas, constituem unidades evolutivas independentes, com isolamento reprodutivo. A existência de espécies crípticas é um problema particularmente comum em organismos marinhos, pois esses, ao contrário do observado para a maioria dos animais terrestres, raramente empregam pistas visuais para o reconhecimento e escolha de parceiros para a reprodução.
Na maioria dos organismos marinhos a reprodução é feita pela liberação de gametas na água, e uma boa parte dos mecanismos de isolamento reprodutivo pré-zigótico é desempenhado pelo reconhecimento químico entre os gametas. O não reconhecimento das espécies tem várias consequências, desde a subestimava da biodiversidade real de cada local até a ameaça de extinção de espécies raras que podem não ser protegidas por serem morfologicamente iguais a outras espécies mais comuns.
Para o manejo da pesca, isso é muito importante, pois os órgãos de controle precisam saber que espécies estão sendo pescadas para que possam detectar diminuições nas capturas que indicam a redução de espécies o esgotamento dos estoques .

3.Filogeografia
O termo filogeografia foi inicialmente proposto para descrever a área de estudo que se ocupa dos princípios e processos que direcionam a distribuição das linhagens genealógicas. No estudo das espécies neotropicais, a filogeografia tem se mostrado uma ferramenta bastante útil e capaz de revelar o papel que eventos históricos complexos possuem sobre a distribuição da diversidade e estrutura genética das espécies. Para exemplificar como esse campo da genética de conservação vem sendo utilizado, vejamos as análises de peixes-bois.
Os peixes-bois (gênero Trichechus) são mamíferos aquáticos da ordem Sirenia encontrados em águas tropicais e subtropicais. O tamanho atual da população de peixe-boi marinho no Brasil é estimado em aproximadamente 500 indivíduos. O pequeno tamanho populacional, associado a outros fenômenos como a baixa taxa de reprodutiva, alta mortalidade de filhotes e poluição, dificulta a sobrevivência dessa espécie na costa brasileira.
Historicamente o peixe-boi marinho tem sido dividido em duas subespécies (T. manatuslatirostris e T. manatusmanatus). Entretanto, os estudos filogeográaficos recentes, utilizando DNA mitocondrial, identificaram a presença de três haplogrupos: 1) Brasil e Guianas; 2) Flórida e Grandes Antilhas; 3) populações a oeste de Trinidad. Além disso, os dados também indicam uma menor diversidade genética nas populações localizadas nos extremos das suas distribuições, provavelmente resultado da colonização mais recente destas áreas por indivíduos procedentes de latitudes menores.

4.Efeitos da fragmentação e papel dos corredores
A fragmentação de habitats é, juntamente com a sua destruição, uma das maiores ameaças para a conservação de biodiversidade. A fragmentação pode fazer com que os indivíduos de uma espécie se tornem restritos a pequenas áreas, tornando-os parcial ou totalmente isolados das outras populações devido à presença de uma matriz diferente do habitat original.
Do ponto de vista genético a fragmentação poderá alterar o fluxo gênico entre as populações, tornando-as mais susceptíveis aos processos de deriva genética e endogamia. Avaliar os efeitos que a fragmentação de habitat possui sobre a diversidade e estrutura genética das espécies animais e vegetais é fundamental para que medidas efetivas de conservação sejam tomadas.
Os remanescentes florestais possuem grande valor ecológico e a conectividade dos fragmentos por meio de corredores de vegetação para ser uma alternativa importante na conservação destes ambientes, facilitando o fluxo gênico entre as populações e a manutenção das espécies.

5.Tamanho populacional efetivo
Do ponto de vista genético o tamanho populacional efetivo é mais importante do que o tamanho populacional obtido através de censos, sendo influenciado por desvios na proporção sexual dos indivíduos reprodutivos, por oscilações no tamanho populacional ao longo das gerações e variações no tamanho familiar.
A seguir mostramos um exemplo de como o tamanho populacional efetivo pode ser calculado através das metodologias ecológicas tradicionais. Quando isso não é possível, dados moleculares podem ser utilizados para esse fim. Em decorrência da escassez de recursos alimentares causada pelo fenômeno El Niño de 1996/1998 (Tabela 1), a população peruana de lobo-marinho sul-americano (Arctocephalusaustralis) declinou cerca de 72% e foi considerada em período de extinção na região.
No lobo-marinho sul-americano o sistema reprodutivo é poligínico, sendo que o macho alfa-territorial forma um harém ou delimita um território onde copula com várias fêmeas adultas, enquanto que os machos restantes, apesar de possuírem idade reprodutiva, não possuem nenhum território nem copulam com fêmeas, sendo identificados como machos periféricos.
Nesse sistema, um número reduzido de machos é capaz de copular com várias fêmeas, de forma que o tamanho populacional efetivo será sempre um numero menor que o tamanho populacional estimado.

Tabela 01. Censo populacional de Arctocephalusaustralis obtido nos períodos imediatamente anterior e posterior ao fênomeno El Ñinode 1996/1998. Nef = número de fêmeas reprodutivas; Nem = numero de machos reprodutivos; N = numero total de indivíduos.

6.Identificação de unidades evolutivamente significativas e de unidades de manejo
Populações de uma mesma espécie podem ser substancialmente diferentes, em termos genéticos, a ponto de ser justificável o seu manejo de forma independente. apesar de ainda não haver um consenso sobre todos os aspectos que devem ser levados em consideração quando do estabelecimento das unidades evolutivamente significativas e das unidades de manejo. A arara-azul-grande (Anodorhynchushyacinhinus) é uma espécie considerada vulnerável que pode ser encontrada no Brasil em três grandes áreas disjuntas. O maior grupo ocorre no Pantanal Mato-grossense, enquanto os outros dois grupos são encontrados no norte e em uma região do nordeste brasileiro.
As análises genéticas de indivíduos provenientes dessas três regiões indicam que há uma significativa diferenciação dessas aves em três grupos, os quais formam três unidades evolutivamente significativas correspondentes ao Pantanal norte, ao Pantanal sul e ao conjunto das populações presentes na região nordeste e norte. A diferenciação entre o Pantanal norte e o Pantanal sul não era esperada, uma vez que aparentemente não existem barreiras para o fluxo dessa espécie nesta região. Já a diferenciação das populações do Pantanal em relação ao grupo norte/nordeste era esperada.
A caracterização dessas unidades evolutivas e das diferenças genéticas encontradas entre os três grupos permitem identificar, com base em estimativas de probabilidade, a região de origem de um determinado indivíduo. Essa ferramenta pode ser importante no combate do tráfico de aves, já que permite a identificação da procedência dos animais apreendidos pela fiscalização.

7. Conservação da agrobiodiversidade

A grande diversidade encontrada nos biomas brasileiros faz verdadeiros bancos naturais de recursos genéticos. Várias espécies nativas da América do Sul são cultivadas na Mata Atlântica por agricultores tradicionais como a mandioca e a batata doce, devido ao valor econômico e nutricional, em um sistema conhecido como agricultura itinerante.
Estudos realizados com as duas culturas citadas acima, cultivadas por agricultores tradicionais e povos indígenas, demonstram que estes empregam práticas de manejo em roças que podem favorecer a conservação, preservação e aumento da diversidade genética. Tais estudos ressaltam a importância desses agricultores que, além de serem detentores do conhecimento a respeito das peculiaridades de manejo desta diversidade, promovem também a sua conservação in situ. O sistema de agricultura tradicional permite a continuidade de processos evolutivos inerentes às relações entre o homem e as plantas dentro de suas roças itinerantes, contribuindo para a redução do processo de erosão genética.

8. Hibridação de espécies e riscos de conservação
Hibridação é o cruzamento entre espécies, raças, variedades e assim por diante, em plantas e animais. Na maioria das vezes, a ocorrência de hibridação representa um risco para a conservação das espécies. A sua ocorrência pode ser detectada e monitorada através da análise genética.
Na foz do Rio Amazonas, as duas espécies de peixes-bois encontradas no Brasil vivem em simpatria, ou seja, vivem juntos sem a possibilidade de cruzamento entre espécies diferentes: o peixe-boi marinho (Trichechusmanatus) e o peixe-boi amazônico (Trichechusinunguis). Nessa área e na região das Guianas, análises citogenéticas e nas moleculares diagnosticaram a hibridação interespecífica em oito indivíduos, incluindo híbridos F1 e de gerações posteriores.
Um dos híbridos, procedente da costa do Amapá, e identificado como peixe-boi marinho, apresentou um numero de cromossomos (2n=50), intermediário entre o peixe boi marinho (2n=48) e o peixe boi amazônico (2n=56). Além disso, apresentava algumas características morfológicas de ambas as espécies. A hibridização entre as duas espécies pode representar um sério problema de conservação devido à diminuição do sucesso reprodutivo, principalmente para a espécie marinha, que possui uma população já reduzida e com diversidade genética baixa.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

11. Genética de populações

1. Distribuições de genes e genótipos nas populações
Em genética de populações, o termo população aplica-se a um grupo de organismos da mesma espécie que ocupam determinado espaço geográfico e são capazes de acasalar entre si. Ainda que, por definição, o entrecruzamento seja inerente a todos os seres sexuados de uma espécie, essencialmente o acasalamento não ocorre de uma maneira indiscriminada. Vejamos os exemplos de insetos que ocupam uma determinada floresta. Embora aqueles de uma mesma espécie possam cruzar entrei si, em geral, o acasalamento se dá entre os que habitam em uma mesma árvore.
Percebemos que a diversidade ambiental é um dos fatores que interferem no acasalamento, especificamente nas possibilidades de escolha dos parceiros. Além do ambiente, outras circunstâncias também podem influenciar o critério de escolha, como fatores culturais, religiosos ou socioeconômicos na espécie humana. Desse modo, a troca de genes ocorre, efetivamente, pelo entrecruzamento de organismos em unidades populacionais locais, também denominadas subpopulações.
Geração após geração, pela segregação e pela recombinação alélica, os genótipos dos organismos que compõem uma população sexuada dão origem a novos gametas, os quais, por fertilização, formam novas combinações de genótipos nos zigotos. Desse modo, elos reprodutivos conferem à população uma continuidade no tempo e no espaço, uma vez que os genótipos existentes em uma geração de organismos reprodutores determinarão os genótipos da geração seguinte.
Os genótipos presentes em determinada geração são resultantes da combinação de alelos produzidos na geração anterior que, por sua vez, irão segregar e recombinar para formar os gametas que darão origem aos genótipos da geração seguinte, embora eles mesmos não sejam transmitidos de maneira direta pelas gerações (Figura 1).

Figura 1. Interconexão reprodutiva existente entre as gerações de uma população. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

2. Frequências gênicas e genotípicas / Como calcular?
Denomina-se frequência alélica (ou gênica) a proporção de cada alelo presente em determinado locus em uma população e frequência genotípica à proporção dos genótipos resultantes da combinação desses alelos.
Em grandes populações, em geral, não é possível proceder à análise genética em todos os organismos, sendo os cálculos das frequências gênicas e genotípicas feitosa partir de amostras de organismos representativas dessas populações.
As frequências genotípicas são obtidas dividindo-se o número de indivíduos com determinado genótipo pelo número total de indivíduos na amostra analisada (N). Considerando a situação simples de um locus autossômico com um par de alelos (A e a), sem dominância, e os 3 genótipos possíveis (AA, Aa e aa), a frequência (f) de cada genótipo equivale a:

Equação 1.


Como vimos, em populações de organismos sexuados, os genótipos são combinações transitórias de alelos que, a cada geração, se desfazem. Os alelos são transmitidos para a geração seguinte pelos gametas. Desse modo, a população pode ser caracterizada por sua distribuição gênica, ou seja, pelas frequências dos alelos existentes nos diferentes loci. A frequência de determinado alelo é expresso como o número de cópias desse gene dividido pelo número total de alelos no locus. Logo, em uma população diploide, as frequências gênicas de um par de alelos autossômicos (A e a), representadas por p e q, podem ser obtidas da seguinte maneira:

Equação 2.


Verificamos, portanto, que a frequência de determinado alelo (A ou a) corresponde a duas vezes o número de indivíduos homozigotos para o alelo em questão, acrescido do número de heterozigotos e dividido por 2N. É possível calcular a proporção de cada alelo conhecendo-se as frequências dos genótipos existentes na população, isto é, as frequências gênicas podem ser calculadas com base nas frequências genotípicas:

Equação 3.


A frequência de determinado alelo em um locus equivale à soma da frequência do genótipo homozigoto para o alelo com metade da frequência dos heterozigotos, os quais tem apenas uma cópia do alelo. Vejamos como realizar esse cálculo referente ao grupo sanguíneo humano MN. Nesse locus, verifica-se a existência de dois alelos codominantes LM e LN, cuja combinação resulta em três genótipos possíveis, os quais, por sua vez, correspondem a três fenótipos distintos (M, MN e N). Com base na determinação do antígeno M e N nas hemácias de 1.200 indivíduos da população norte-americana, foram identificados 420LMLN e 180 LNLN.
Se dividirmos o número de indivíduos com cada genótipo pelo número total de pessoas analisadas, obteremos a frequência de 3 genótipos. Os cálculos mostram que 50% dos indivíduos dessa população são heterozigotos, 35% são homozigotos LMLM e 15% são homozigotos LNLN, sendo a soma das frequências genotípicas igual a 1 ou 100%.

Figura 2. Resolução do exemplo com base na equação 1. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

Agora que conhecemos as frequências genotípicas dos diferentes genótipos, podemos determinar as frequências gênicas.

Figura 3. Resolução do exemplo com base na equação 3. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

As frequências gênicas constituem um dos indicadores da diversidade genética existente entre as populações, de maneira que é comum encontrarmos variações nas frequências gênicas em diferentes demes. Populações que apresentam frequências gênicas iguais não necessariamente terão as mesmas frequências genotípicas, ou seja, demes distintos podem ter frequências gênicas iguais e diferir em relação às frequências de seus genótipos (Figura 2).

Figura 4. Frequências genotípicas e gênicas relativas aos alelos do grupo sanguíneo MN observadas em 3 demes distintos. Observe que as frequências gênicas são iguais e as frequências genotípicas se diferem.Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

3. Loci com alelos múltiplos
A existência de mais de dois alelos é comum em muitos loci e, nesses casos, os mesmos princípios já apresentados podem ser usados no cálculo das frequências gênicas. Vejamos como exemplo, uma situação de três alelos (A1, A2 e A3) em um locus, cuja combinação produz seis genótipos (A1A1, A1A2, A1A3, A2A2, A2A3 e A3A3). As frequências gênicas podem ser calculadas com base nas frequências genotípicas.

Equação 4.


4. Loci ligados ao cromossomo X

Em relação aos genes localizados no X, os princípios mostrados também são válidos para o cálculo das frequências gênicas, lembrando, no entanto, que no sistema de determinação sexual XY, como o que ocorre em mamíferos, o sexo heterogamético (XY) é homozigoto para alelos do cromossomo X, ao passo que o sexo homogamético (XX) pode ser homozigoto ou heterozigoto.
Por essa razão, alelos ligados ao X não se distribuem igualmente na população. Supondo-se a existência de dois alelos em umlocus do cromossomo X humano (XA e Xa), as mulheres podem apresentar três genótipos (XAXA, XAXa e XaXa), enquanto os homens apresentam apenas dois (XAY e XaY). Desse modo, em uma população com igual número de indivíduos masculinos e femininos, o cálculo das frequências gênicas no conjunto gênico total da população devera levar em conta as frequências dos diferentes genótipos de cada sexo:

Equação 5.


5. Modelo de Hardy-Weinberg
Como determinar as frequências gênicas e genotípicas a cada geração? O princípio de Hardy-Weinberg, formulado em 1908, estabelece uma relação matemática entre as frequências gênicas e genotípicas em geração subseqüentes, ou seja, reprodutores e seus descendentes. Esse modelo de equilíbrio genético, embasado nas leis mendelianas de segregação, nos possibilita fazer algumas predições sobre as frequências dos alelos e suas combinações nos genótipos. Trata-se de um modelo de referência muito utilizado que assume a não interferência de forças evolutivas na população.
As predições do equilíbrio Hardy-Weinberg podem ser aplicadas a grandes populações de organismos diplóides, com reprodução sexuada e cruzamento aleatório, nas quais os casais sejam igualmente férteis e as frequências gênicas sejam as mesmas nos machos e nas fêmeas. Entre as principais condições necessárias à utilização desse modelo destaca-se a necessidade da população em estudo ser grande o suficiente, de maneira que as frequências gênicas não sofram variação em virtude de erros de amostragem. Considera-se também que as gerações sejam discretas, ou seja, não ocorra sobreposição com elas.
Além disso, outro fator determinante das frequências genotípicas é a maneira como os casais se constituem a cada geração, ou seja, o tipo de acasalamento. O princípio de Hardy-Weinberg baseia-se no cruzamento aleatório (ou panmixia) que representa um sistema de reprodução observado sempre nas populações. Sob panmixia, a probabilidade de dois organismos com genótipos específicos se cruzarem será igual ao produto das frequências de seus genótipos na população. Portanto, em uma população panmítica, no qual os acasalamentos são por acaso, a probabilidade de dois genótipos colidirem será determinada por suas respectivas frequências na população.
Outra condição importante à aplicação do modelo de Hardy-Weinberg refere-se a ausência, na população, da ação de forças evolutivas, como mutação, migração e seleção natural. Considerando que a reprodução sexuada não é capaz de alterar as frequências gênicas e genotípicas e, em se tratando de uma população grande e panmítica, com gerações discretas, que atenda aos demais pressupostos, o princípio de Hardy-Weinberg estabelece algumas previsões importantes:
1. As frequências genotípicas podem ser calculadas com base nas frequências gênicas;
2. Na ausência de forças evolutivas, as frequências gênicas não se alteram de uma geração para outra em grandes populações panmíticas;
3. As frequências genotípicas alcançam o equilíbrio de Hardy-Weinberg e se mantém constantes após uma geração de cruzamentos aleatórios.

A Figura 5 destaca os principais pressupostos estabelecidos pelo modelo de Hardy-Weinberg. Assim, se uma população cumprir tais pressupostos ela manterá a estabilidade genética de maneira que suas frequências gênicas e genotípicas permanecerão inalteradas pelas gerações.

Figura 5. Principais condições necessárias para à aplicação da lei de Hardy-WeinbergFonte: PIMENTEL et al. (2013).

6. Equação de Hardy-Weinberg

Se considerarmos a união aleatória de gametas femininos e masculinos igualmente viáveis, produzidos em determinada geração de uma população, poderemos, com base nas frequências gênicas nesse conjunto de gametas, calcular as frequências dos genótipos que se formam nos zigotos, assumindo que todos os indivíduos da população contribuem igualmente para o reservatório de gametas.
Vejamos como exemplo com o grupo sanguíneo MN, se tratando de um locus autossômico com dois alelos. Assim, teremos o conjunto de gametas representado pelo alelo LM (p) e LN (q), como demostrado na Figura 4:

Figura 6. Proporções de genótipos produzidos pela combinação de dois alelos em um locus autossômico com base na união aleatória de gametas masculinos e femininos.Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

Assumindo que as frequências dos alelos LMe LNsão iguais nos gametas de ambos os sexos, verificamos que a distribuição das frequências genotípicas nos zigotos é equivalente a figura abaixo. Lembrando que p e q correspondem às frequências dos alelos LMe LN, respectivamente. E p², 2pq e q² correspondem às frequências dos genótipos LMLM, LMLN e LNLN, respectivamente.

Equação 6.

Percebemos que a probabilidade de um espermatozóide e um ovócito, portadores do alelo LM, se encontrarem é p x p = p²; a chance de dois gametas com os alelos LNse unirem é q x q = q²; e a frequência de gametas masculinos portadores de alelos LMse juntarem a gametas femininos portadores de alelos LN, ou vice-versa, é equivalente a pxq + qxp = 2pq. Concluímos, portanto, que o cruzamento aleatório produz genótipos nas proporções p², 2pq e q².
A equação conhecida como equação de Hardy-Weinberg, torna clara a nítida relação existente entre as frequências gênicas nos gametas e as frequências genotípicas nos zigotos, sendo possível calcular as frequências genotípicas no equilíbrio com base nas frequências gênicas. Esse modelo estabelece, portanto, que uma população cujas frequências genotípicas se apresentam de acordo com a equação 6 (citada acima) está em equilíbrio genético. Quando em equilíbrio, as frequências gênicas e genotípicas se mantem constantes no decorrer das gerações.

7. Alelos autossômicos múltiplos
Se considerarmos a existência de um locus autossômico com três alelos (A1, A2, A3), nas frequências (p, q e r), sendo p + q + r = 1, as proporções no equilíbrio dos seis genótipos possíveis serão equivalentes a (p + q + r)² = p² + 2pq + 2pr + q² + 2qr + r² (Figura 7).

Figura 7. Proporções de genótipos produzidos pela combinação de três alelos em um locus autossômico com base na união aleatória de gametas masculinos e femininos. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

Em relação à existência de apenas um par de alelos autossômicos, vimos que populações cujas frequências genotípicas não estão em equilíbrio de Hardy-Weinberg alcançam o equilíbrio genético após uma geração de reprodução aleatória. Isso também se aplica aos alelos autossômicos múltiplos, ou seja, na ausência de forças evolutivas, as frequências gênicas permanecem constantes e as frequências genotípicas alcançam o equilíbrio após uma geração de panmixia e se mantém inalteradas.

8. Genes ligados ao X
As considerações relativas aos alelos autossômicos não podem ser completamente aplicadas as distribuições genotípicas de características ligadas ao cromossomos X de maneira que essas alcançam uma situação de estabilidade genética ligeiramente diferente dos traços autossômicos.
Nos sexos homogamético (XX) o cálculo das frequências genotípicas no equilíbrio de Hardy-Weinberg é feito da mesma maneira que o dos genes autossômicos. Sendo assim, para um locus do X com 2 alelos (XA e Xa), as proporções genotípicas se distribuirão de acordo com (p + q)², sendo p², 2pq e q² as frequências dos genótipos, XAXA, XAXa, XaXa, e p e q as frequências dos alelos na população total.
Contudo, nos sexos heterogaméticos, as frequências genotípicas (XAY, XaY) no equilíbrio serão idênticas àsfrequências gênicas (p e q) da população (Figura 8).

Figura 8. Proporção de genótipos produzidos pela combinação de dois alelos ligados ao cromossomo X com base na união aleatória de gametas masculinos e femininos. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

Sendo assim, em relação aos alelos ligados ao X, a estabilidade da distribuição dos genótipos na população, como um todo, nem sempre é alcançada após uma geração de cruzamentos aleatórios. Isso ocorre somente quando as frequências genotípicas do sexo heterogamético na geração inicial, correspondem as frequências gênicas da população total. Do contrário, várias gerações em panmixia são necessárias para que os genótipos se distribuam de maneira estável na população.
Suponhamos, em uma população humana, a ocorrência de um traço condicionado por um par de alelos, A e a, ligados ao X, com frequências gênicas p e q, respectivamente, lembrando, que em humanos, o sexo masculino é homozigoto, para alelos do cromossomo X.

Figura 9. Resolução do exemplo com base na equação 5. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

Ao verificarmos as frequências gênicas na população (p= 0,60 e q= 0,40) são iguais às frequências genotípicas no sexo masculino, podemos antever que a distribuição estável dos genótipos, segundo a lei de Hardy-Weinberg será alcançada após uma geração de cruzamentos aleatórios.

8. Exceções ao modelo de Hardy-Weinberg

Veremos algumas situações, em que a lei de Hardy-Weinberg não é válida. Vimos que uma das condições fundamentais para a aplicação desse modelo é a panmixia, ou seja, a reprodução da população tem que ocorrer ao acaso. Quando isso não acontece, a relação que o princípio de Hardy-Weinberg estabelece entre as frequências se desfaz.
Existem dois tipos de cruzamento não aleatório: a reprodução preferencial, pela qual os indivíduos de uma população selecionam, seus parceiros com base em determinadas características fenotípicas, e reprodução consanguínea, que se refere ao cruzamento entre organismos geneticamente aparentados. Nessas duas condições, pela reprodução não ocorrer de maneira aleatória, a frequência genotípica sofre alteração com o passar das gerações e os desvios em relação ao equilíbrio de Hardy-Weinberg são notados.

8.1 Agentes promotores de variação genética nas populações.
8.1.1. Mutação
A mutação é fonte original de variação genética, capaz de transformar um alelo em outro. Ela ocorre como um evento aleatório, que pode alterar, excluir ou duplicar qualquer segmento do DNA. Quando a mutação ocorre na linhagem de células que dá origem aos gametas, ela pode ser transmitida aos descendentes e, dependendo da taxa com que ocorre, é possível que as frequências gênicas nos gametas não necessariamente reflitam aquelas da população original.
Com base no conhecimento da taxa de mutação de um gene, é possível prever o impacto que ela, por si só, pode ocasionar nas frequências gênicas de uma geração para próxima. Assim, sabe-se que em virtude das baixas taxas ocorridas na natureza, a mutação é capaz de alterar as proporções dos alelos em uma população de modo extremamente lento, embora outros fatores também atuem nesse sentido.
Não podemos desconsiderar o fato de toda modificação química envolvida na mudança de um alelo para outro ser recorrente, ou seja, poder se dar em ambos os sentidos. Embora, em geral, as mutações diretas, que transforma um alelo comum em um alelo mutante, sejam mais frequentes que as mutações reversas, onde um alelo mutante se transforma em um alelo comum. Assim, se for a equivalência entre as mutações reversas e diretas, a mutação não irá afetar as frequências gênicas.
Portanto, embora a mutação seja uma fonte genuína de variabilidade genética, por possibilitar que novos alelos sejam acrescidos ao reservatório gênico, ela tem capacidade reduzida de alterar frequências gênicas se comparada a outros agentes evolutivos.

8.1.2.Fluxo gênico
Uma população pode variar de tamanho por causa de mudanças em suas taxas de natalidade ou de mortalidade e também em decorrência da incorporação ou subtração de organismos em virtude da migração. Pelo fluxo migratório, alelos podem ser acrescidos ao conjunto gênico de uma população, trazidos por organismos férteis oriundos de outros demes, ou perdidos, pelos organismos que emigram, de maneira que a migração constitui outro processo capaz de alterar as frequências alélicas e genotípicas. A introdução de alelos de uma população em outra, denominada fluxo gênico, é particularmente notada como importante fonte de variação genética se a população doadora, aquela da qual os migrantes se originam, e a receptora, que recebeu os migrantes, apresentarem frequências gênicas diferentes.
O efeito de migração sobre as frequências dos alelos depende de alguns fatores, como taxa de migração (proporção de migrantes férteis que chegam à população receptora), tamanho da população receptora e magnitude da divergência genética entre as populações envolvidas, isto é, o quanto elas diferem em relação a suas frequências alélicas.
Como exemplo (Figura 7), temos duas populações humanas que habitam regiões geográficas distintas e divergem em relação àsfrequências de dois alelos de um gene autossômico. Considerando queem determinada geração, ocorreu a migração de um grupo de indivíduos da população 2 para a população 1, sem fluxo correspondendo na direção contraria, ou seja, trata-se de uma migração unidirecional. Considerando que as frequências gênicas são distintas nas duas populações originais, na geração seguinte, após o cruzamento aleatório entre o grupo de migrantes com os nativos, o deme recém constituído (população 1’) terá novas frequências gênicas.

Figura 10. O esquema mostra a migração unidirecional de um grupo de indivíduos da população 2 para a população 1. O efeito do fluxo migratório entre demes depende da extensão da migração e das diferenças nas frequências gênicas. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

Em geral, na natureza, subpopulações de uma espécie que habitam ambientes distintos tendem a diferir em relações a suas frequências gênicas, devido a adaptação do meio. Os alelos trazidos pelos organismos que migram, passados através da reprodução, são incorporados ao reservatório gênico da população receptora, de maneira que, a nova unidade reprodutiva terá frequências gênicas intermediarias entre a população receptora e a doadora. Desse modo, o fluxo gênico entre as populações pode alterar as frequências gênicas. Mas se as frequências gênicas nas duas populações forem equivalentes, a migração não promoverá nenhum efeito.

8.1.3. Seleção natural
Paralelamente à ação de agentes que são fonte de variabilidade na população, como a mutação e o fluxo gênico, a seleção natural atua promovendo a evolução adaptativa. Ela é a principal força capaz de modificar as frequências gênicas em grandes populações.
O ambiente onde se vive limita o tamanho da população, levando os organismos a competirem entre si por recursos de sobrevivência. Assim, os organismos que representam maior sobrevida e desempenho reprodutivo acabam por ter mais vantagens. Isso ocorre por que o fenótipo desses organismos confere a eles melhor adaptabilidade, como resultado, os alelos são transmitidos para as gerações seguintes.
Os organismos mais adaptados são aqueles que expressam fenótipos vantajosos para a sobrevivência e reprodução. A adequação biológica que um fenótipo confere a um organismo em relação a outro, em um ambiente especifico, é chamado de valor adaptativo (W), sendo essa medida relativa que expressa a adaptação de um organismo às condições ambientais existentes em comparação aos demais organismos do deme. Ou seja, o valor adaptativo mede a capacidade que os organismos com fenótipos distintos tem de transmitir seus alelos às gerações futuras.
Dois componentes são fatores importantes que influenciam a adaptabilidade: viabilidade e sucesso reprodutivo. Para que um organismo seja capaz de gerar prole numerosa é necessário que ele consiga sobreviver até a idade reprodutiva, seja fértil e alcance êxito reprodutivo. Os seres capazes de produzir grande descendência são aqueles mais bem adaptados ao ambiente, e portanto, cujos genótipos possuem maior valor adaptativo.
A intensidade de ação de seleção natural sobre fenótipos com diferentes graus de adaptaçãoàs condições existentes é medida pelo coeficiente de seleção (s). O coeficiente de seleção corresponde a 1 – W e expressa a redução na capacidade relativa de cada genótipo deixar descendentes em comparação com o genótipo mais adaptado.
Supondo que determinado traço genético tenha um valor adaptativo de 0,30, saberemos que o coeficiente de seleção relativo a esse traço será de 0,70, visto que 1 – 0,30 é 0,70.


8.1.4. Deriva genética
Embora a transmissão gênica de uma geração para a seguinte aconteça de maneira previsível, existe a possibilidade de que alguns eventos não previstos ocorram e interfiram. Ou seja, agentes aleatórios podem agir e promover mudanças na composição genética de uma população. Esse processo é conhecido como deriva genética.
A deriva genética é capaz de modificar as frequências dos alelos em uma população em relação à geração parental de modo indeterminado, ou seja, ao acaso, constituindo um mecanismo que reduz a variabilidade genética nas populações.
Se considerarmos várias populações, todas de mesmo tamanho e com as mesmas frequências gênicas, sob efeito da deriva genética, com o passar das gerações ocorrerão flutuações imprevisíveis nas proporções de seus alelos, tornando as populações distintas.
A deriva genética ocorre quando o número de organismos férteis em uma população torna-se reduzido não garantindo integralmente que os alelos de pool gênico sejam repassados àgeração seguinte. Em decorrência unicamente do acaso, alelos podem estar mais ou menos representados no conjunto gamético ocasionando alterações aleatórias nas frequências gênicas da população. Portanto, quanto menor o número de indivíduos capazes de se reproduzir, maiores serão os efeitos decorrentes do acaso nas frequências gênicas, de maneira que grandes desvios poderão ser notados em relação à composição genética, entre as gerações da população.
Embora nas populações infinitamente grandes o efeito da deriva genética seja mínimo, nas de pequeno tamanho ela pode constituir a principal força evolutiva, considerando que a variação aleatória nas frequências gênicas, promovida nas gerações pode levar à fixação ou à perda de alelos.

a) Efeito fundador
O efeito fundador é uma circunstância que causa deriva genética e ocorre quando alguns organismos de uma grande população emigram ou, por outro fator qualquer, separam-se de sua população de origem e entram em outra população. Assim, esse pequeno grupo de organismos, isolado de sua população nativa, passará a constituir um novo deme, se reproduzirá e crescerá em tamanho (Figura 11).

Figura 11. Variações são notadas na composição genética de populações quando elas se originam de um pequeno grupo de organismos. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

O conjunto gênico agora existente é derivado, portanto, dos alelos presentes nos fundadores que são representativos do pool gênico da população da qual se originaram. Proporções alélicas observadas em certas populações humanas evidenciam a nítida ocorrência de erros de amostragem. Nessas populações, as frequências observadas são um forte indicativo de que elas tenham se originado de um número reduzido de indivíduos fundadores.
Um exemplo conhecido diz respeito ao grupo sanguíneo ABO entre índios não miscigenados da região amazônica, os quais são isogênicos para o grupo O, ou seja, apenas o alelo i está segregando nessa comunidade (os alelos Ia e Ib não existem). É bastante plausível que o efeito fundador seja o provável responsável pela elevada incidência de doenças hereditárias raras em populações humanas.

b) Gargalo genético
Outro fator que pode levar à deriva genética é o gargalo genético, que ocorre quando o tamanho de uma grande população é drasticamente reduzido. A diminuição acentuada de uma população pode se dar em virtude de acontecimentos repentinos, como grandes epidemias e outras catástrofes naturais, capazes de possibilitar a sobrevivência de um pequeno número de indivíduos reprodutivos. Esses desastres podem diminuir seriamente a diversidade genética da população.
O efeito gargalo decorre do estreitamento na passagem de genes de uma geração para outra em uma população que, em razão da diminuição aleatório de seu tamanho, passou por drástica redução de genitores. Assim, a geração seguinte, originada a partir do conjunto de gametas dos organismos sobreviventes, poderá apresentar composição genética distinta da população pré-gargalo, que não necessariamente corresponde àsfrequências gênicas do pool gênico original.

Figura 12. O que ocorre em uma população quando esta passa por uma redução drástica de tamanho em virtude de acontecimentos repentinos. As bolinhas de diferentes cores correspondem aos genótipos dos organismos. Fonte: PIMENTEL et al. (2013).

Referências Bibliográficas
PIMENTEL, M.M.G. et al. Genética essencial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.

10. Transgenia

1. Organismos geneticamente modificados
O termo biotecnologia basicamente refere-se ao uso de um organismo vivo, ou de componentes derivados de um organismo vivo, para a produção de um bem ou um serviço. Sendo assim, segundo essa definição, a biotecnologia começou a ser usada a pelo menos 4.000 a.C, quando as culturas do Egito antigo dominaram a técnica de fazer vinho.
Percebe-se que durante muitos anos a biotecnologia utilizou microrganismos vivos, mas sem nenhuma alteração, a não ser talvez pela seleção de linhagens mais eficientes. Contudo, a biotecnologia foi dividida com a aparição da técnica de engenharia genética, ficando conhecida como biotecnologia tradicional e biotecnologia moderna. A tradicional usava apenas de organismos vivos, enquanto a moderna utilizava-se das técnicas de engenharia genética para melhorar o objeto de estudo.
Uma parte importante dentro da biotecnologia tem sido os produtos de uso terapêutico. A primeira droga aprovada a ser produzida em escala industrial por meio da técnica de engenharia genética foi a insulina. A insulina é um hormônio produzido pelas células do pâncreas e importante na regulação do metabolismo do açúcar. A falta de insulina causa a diabetes, ou seja, as células não possuem capacidade de produzir a insulina, sendo necessário que uma pessoa diabética tome injeções diárias de insulina.
Antes da engenharia genética, a insulina era produzida a partir de pâncreas bovino ou suíno. Embora a insulina animal fosse biologicamente ativa em humanos, a sequência de seus aminoácidos é levemente diferente, o que prova reações imunes em pacientes que a reconhecem como uma proteína estranha. Entretanto, a insulina produzida a partir da clonagem do gene humano, por ser exatamente igual à insulina normalmente secretada pelo pâncreas humano, não apresenta efeitos de reação.
Com o advento da engenharia genética, a parte vegetal e animal ganharam mais força dentro da biotecnologia. A modificação genética dessas áreas começou a existir através das técnicas de melhoramento genético. Selecionar semestres maiores para o plantio da próxima safra ou realizar o cruzamento de dois animais com características desejadas sempre foi considerado melhoramento genético. Entretanto, os métodos clássicos de melhoramento são lentos e incertos. Além disso, a introdução de um gene ou de um conjunto de genes, por métodos convencionais, requer repetidos cruzamentos, sendo assim, restrito às espécies com reprodução sexuada. A engenharia genética supera essas dificuldades, acelerando o processo de domesticação de plantas e animais.
Atualmente, uma combinação de técnicas permite isolar um gene especifico que codifica uma característica desejada e transferir esse gene para outros organismos vivos afim de adapta-los aos nossos propósitos. O organismo que tem o patrimônio genético alterado pela técnica de engenharia genética é conhecido como transgênico (Figura 1), enquanto o gene introduzido é chamado de transgene.

Figura 01. Processo de obtenção de uma planta transgênica. Fonte: BioGeo. Disponível em: http://biogeo.esy.es/BG4ESO/transgenicos.htm

2. Plantas: vantagens e desvantagens para a engenharia genética
O fato das células vegetais apresentarem um invólucro rígido em torno da membrana celular, que se apresenta como um empecilho para a introdução de um DNA exógeno, é considerado uma desvantagem. Outra desvantagem é o tamanho do genoma das plantas, que podem ser considerados grandes quando comparados ao genoma humano, e dificulta a observação de características recessivas.
Por outro lado, algumas plantas apresentam grandes vantagens em relação aos animais. Muitas delas podem ser autofecundadas, e com isso, a mutação presente em heterozigose pode ser transmitida gerando descendentes com o tipo selvagem. Além disso, como as plantas produzem um número grande de descendentes, mesmo mutações extremamente raras têm chance de ser detectadas. Mas, a característica mais notável nas plantas, é a totipotência, ou seja, a capacidade de regenerar em uma planta adulta a partir de uma única célula vegetal.

3. Aplicações da engenharia genética em plantas

3.1. Melhoramento da planta e da colheita
Resistência a insetos: insetos predadores de plantas representam uma das causas de grandes prejuízos na agricultura. Aproximadamente 15% da produção agrícola mundial é perdida por ano devido ao ataque de insetos. Em situações extremas, a queda na produção pode chegar a 70%, como no caso da plantação de batata quando atacada pelo besouro Colorado. Além disso, plantas atacadas por insetos são mais suscetíveis à infecção por fungos, uma vez que fungos patogênicos frequentemente invadem plantas carregadas pelos insetos ou em lesões provocadas pelos insetos. A vantagem dos inseticidas biológicos é que atuam em concentrações muito mais baixas que os inseticidas químicos, e como geralmente são específicos, não apresentam perigo para os prováveis consumidores dos vegetais.
Resistência a vírus: vírus que atacam plantas representam um grande problema para a agricultura, pois a infecção pode resultar em redução na taxa de crescimento, na produção e qualidade da colheita. Para amenizar os problemas, os agricultores têm aplicado, por mais de 30 anos, uma estratégia que cria nas plantas um razoável nível de tolerância ao vírus. Essa estratégia se baseia na observação de que a inoculação das plantações com linhagens de vírus, que não são muito prejudiciais, pode induzir a resistência a linhagens mais virulentas. Embora esse mecanismo não seja completamente conhecido, pois plantas não possuem sistema imunológico, sabe-se que uma proteína especifica do vírus inoculado suprime ou retarda os sintomas causados por uma segunda infecção viral.
Resistência a herbicidas: a presença de ervas daninhas na lavoura pode significar mais de 10% de perda na colheita, pois elas competem com as plantas pelos nutrientes do solo. A agricultura moderna tenta controlar o crescimento de ervas daninhas e minimizar as perdas na produção com o uso de substancias químicas chamas de herbicidas. Plantações orgânicas não fazem uso de herbicidas, mas os agricultores atingem uma pequena porção do mercado alimentício e evitam plantas/espécies que são particularmente sensíveis à competição com ervas daninhas, como é o caso da beterraba.
Aumento do valor nutritivo da planta: as plantas que crescem a partir de sementes comestíveis, como cereais e leguminosas, estocam proteínas em suas sementes para nutrir o embrião da planta durante e logo após a germinação. Portanto, os cereais constituem a maior fonte de proteínas para os indivíduos. Entretanto, as proteínas armazenadas nas sementes possuem um número limitado de aminoácidos, assim, o valor nutritivo de alguns cereais é limitado. As proteínas estocadas nas sementes são sintetizadas por uma variedade pequena de genes, presentes no genoma em múltiplas copias e que se expressam no endosperma. Assim, introduzindo-se na planta um gene modificado, junto a uma sequência promotora que garanta sua expressão no tecido correto, é possível melhorar o valor nutritivo das sementes.

3.2. Fitorremediação

A fitorremediação emergiu no começo dos anos 90 e consiste em usar plantas para retirar poluentes do solo. Plantas podem ajudar a limpar uma série de poluentes, incluindo metais. Elas também evitam que vento, chuva e água dos lençóis subterrâneos transportem o agente poluidor de um local para outro. Uma vez no interior da planta,o poluente pode ser estocado nas raízes, caule e folhas, ser transformado em um produto menos tóxico ou, ainda mudar para a condição gasosa e ser liberado na atmosfera pelo processo de respiração. Comparada com outras abordagens de despoluição, o método de fitorremediação obtém vantagem de um processo natural da planta, requer menos equipamentos e menos trabalho.

Figura 02. Processo de fitorremediação esquematizado. Fonte: ConAm: consultoria ambiental. Disponível em: http://www.conam.eng.br/fitorremediacao

Alguns microrganismos do solo são capazes de retirar poluentes por degradação de petroquímicos e imobilização de metais pesados. Entretanto, a atividade antimicróbica é limitada. Assim deu-se início a engenharia genética. As bactérias já exercem a função de desintoxicação e elas poderiam ser alteradas geneticamente a fim de torna-las mais efetivas no desempenho dessa função. Mas, espalhar microrganismos geneticamente modificados no ambiente é um problema potencial, que seria dificilmente aceito por ambientalistas. Mas, por que não isolar os genes das bactérias relevantes e transferi-los para as plantas? Afinal, as plantas não se movem e tem um crescimento rápido.

3.3.Vacinas comestíveis
Embora as vacinas sejam um enorme sucesso no controle de erradicação de várias doenças, seu uso ainda apresenta muitas limitações em países do Terceiro Mundo. Vacinas normalmente requerem refrigeração e devem ser injetas com seringa estéril. Isso encarece e dificulta muito as campanhas de vacinação, especialmente em países que possuem menos recursos.
A biotecnologia foi incorporada na produção de vacinas, pela primeira vez, quando se passou a produzir a vacina contra a hepatite B em células de levedura. Em 1992, pesquisadores iniciaram o desenvolvimento de vacinas em plantas transgênicas, explorando a possibilidade de se administrar vacinas pelo consumo de plantas comestíveis. Além da hepatite B, outras vacinas vêm sendo desenvolvidas em plantas. Uma dela é contra a bactéria Escherichia coli 0157:H7. Outros estudos estão estudando a probabilidade de desenvolver vacinas em plantas para aves, suínos e outros animais. Isso diminuiria a quantidade de antibióticos que é administrada em animais destinados a consumo humanos.
Atualmente não existem dúvidas de que vacinas podem ser produzidas em plantas comestíveis e o potencial desse projeto é imenso para a humanidade. Entretanto, a indústria farmacêutica não tem mostrado interesse nesse conceito, provavelmente porque beneficiaria em especial, populações de países pobres, não compactuando com suas finalidades financeiras.

Exercícios
1. A respeito dos transgênicos, são feitas as afirmações abaixo.
A) São sempre indivíduos incapazes de se reproduzir.
B) Aumentam a produtividade dos alimentos.
C) São organismos tanto vegetais quanto animais, produzidos pela engenharia genética, que não contêm genes de outras espécies.
D) São vegetais produzidos por radiação que os tornam resistentes.

2. O que são organismos transgênicos?

3. Qual a diferença entre transgênicos e organismos geneticamente modificados?

Gabarito
1. Letra B

2. Organismos transgênicos são organismos, que por meio da engenharia genética, receberam o gene de outra espécie em seu DNA.

3. Organismos geneticamente modificados, são organismos que, foram modificados através da engenharia genética, mas não receberam o gene de outra espécie, enquanto que, os transgênicos também foram modificados pela engenharia genética, mas receberam o gene de uma espécie diferente.

Referências Bibliográficas

FARAH, S.B. DNA: Segredos e Mistérios. Editora Savier. 2ª Ed, 2007.

GRIFFITHS, Anthony J. F. Introdução à genética. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 9ªed, 2008.